Bayer, Syngenta, JBS dominam o lobby do agronegócio que desmata Amazônia e Cerrado

Bayer, Syngenta, JBS dominam o lobby do agronegócio que desmata Amazônia e Cerrado

Entre janeiro de 2019 e junho de 2022, grandes empresas multinacionais do setor do agronegócio se reuniram pelo menos 278 vezes com membros do alto escalão do governo federal, principalmente no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), onde houve 160 reuniões do tipo. Esse acesso constante, facilitado no governo Jair Bolsonaro, tem funcionado como lobby para medidas como flexibilização de regras para agrotóxicos e facilitação de teste para novas substâncias químicas em campo.

Segundo levantamento realizado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, a empresa Syngenta é a campeã de reuniões com a cúpula governamental: foram 81 encontros no período. Em seguida vem a JBS, com 75, e a Bayer, com 60. No caso desta, contudo, uma informação chama a atenção: 16 das reuniões ocorridas com o Mapa sequer constaram da agenda oficial da pasta, só tendo sido reveladas mediante registros obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Coordenador do levantamento, o pesquisador Bruno Stankevicius Bassi ressalta que mesmo o lobby, por si só, não sendo ilegal, é notável a falta de isonomia no tratamento conferido pelo ministério aos diversos setores interessados em debater o tema. “Apesar de não ser regulamentado no Brasil, o lobby não é ilegal. Ele é um recurso comum às democracias representativas”, comenta.

“O problema está na disparidade de poder que existe entre a influência do agronegócio e de atores sociais impactados pelos projetos de lei da bancada ruralista, como povos indígenas, quilombolas e camponeses”, argumenta Bassi. “Enquanto o agronegócio conta com uma estrutura institucionalizada e com recursos fixos providos por dezenas de entidades de de classe, […] os movimentos sociais não possuem o mesmo acesso ou recursos.”

Ele exemplifica com números do próprio relatório: enquanto os representantes das empresas foram recebidos 160 vezes por oficiais do Mapa – sendo que 16 reuniões contaram com a participação da própria ministra Tereza Cristina –, os movimentos sociais só foram recebidos pelo governo duas vezes. “Não há como comparar essas duas forças”, frisa Bassi.

Média é o triplo do governo Temer

O levantamento mostra também que o governo Bolsonaro tem uma média de encontros do tipo superior a gestões anteriores. Na gestão Temer, houve 1,12 reunião por mês de executivos do agronegócio com o ministério. De 2019 para cá, essa média saltou para 3,81 encontros por mês – mais do que o triplo.

A DW Brasil questionou o governo Bolsonaro sobre o relatório produzido pela De Olho nos Ruralistas e, especificamente, perguntou por que não há peso igual, na agenda do Mapa, para outros setores envolvidos no mundo agrícola, além de por que pelo menos 16 encontros com a Bayer não constavam de agenda oficial.

Em nota, o ministério limitou-se a responder que “realiza periodicamente reuniões técnicas com representantes de entidades públicas e privadas do setor produtivo agropecuário para colher subsídios e informações relevantes para a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento do setor”.

“A administração pública não pode ser confundida com interesses privados de empresas e grupos econômicos”, comenta o ambientalista Marcio Astrini, secretário do Observatório do Clima. “O agravo é quando o conhecimento, a ciência, o interesse coletivo e a impessoalidade correm riscos frente a interesses comerciais ou pessoais. É o que estamos assistindo na proposta que retira as avaliações ambiental e de saúde pública do registro de novos agrotóxicos.”

Como amenizar o impacto das monoculturas?

A referência é ao projeto que ficou conhecido popularmente como PL do Veneno, atualmente aguardando apreciação pelo Senado. Astrini ressalta que a aprovação de algo do tipo “interessa apenas a quem produz estes tóxicos, em detrimento da saúde da população” é “a própria subversão do papel do Estado”.

Para o ambientalista, o número de encontros extra-oficiais de representantes de multinacionais do agronegócio com o governo deve ser “muito maior do que o declarado”: “As agendas oficiais podem dar um parâmetro, mas certamente há diversas outras agendas informais, jantares, encontros com políticos em suas cidades ou bases eleitorais que dificilmente constariam dos registros, mas que têm por finalidade o mesmo lobby.”

Empresas se posicionam

A reportagem procurou as três empresas que lideram o ranking do levantamento e as questionou sobre os motivos que levaram a tal frequência de encontro. Em nota, a Syngenta afirmou que “investe em pesquisa e desenvolvimento” e “busca trazer para o mercado inovações”, visando cumprir as “expectativas da sociedade” em “projetos que busquem a segurança alimentar, produzindo mais alimentos, sem exigir aumento de área plantada”.

“Nesse processo, a empresa sempre teve um diálogo constante com autoridades, governos, órgãos reguladores, meios de comunicação e sociedade”, argumenta empresa. “Ao longo das reuniões das quais participamos, provemos informações sobre temas conectados com a defesa dos interesses de agricultores e da agricultura brasileira”.

Por sua vez, a JBS afirmou que “entende que é importante contribuir para o debate pelo desenvolvimento do setor”. “Como parte desse diálogo, [a empresa] se reúne também com autoridades públicas sempre conforme as legislações em vigor”.

Também em nota, a Bayer argumentou que mantém “diálogos transparentes com autoridades públicas”, “assim como também participa ativamente de debates na sociedade e acompanha de perto o desenvolvimento de políticas públicas.”

Sobre as reuniões ocorridas fora de agenda, a empresa afirmou que “todas as audiências dos profissionais de assuntos públicos da Bayer […] são formalmente solicitadas aos órgãos com quem a empresa mantém interações”. Em outras palavras: se não houve menção na agenda oficial do Mapa, a Bayer não assume qualquer culpa pelo fato.

Só existe no Brasil

Maior área de caatinga selvagem do país, a região do Boqueirão do Onça tem o tamanho de cerca de 800 mil campos de futebol. A topografia e tipo de solo permitem que a água, escassa no semiárido, se acumule em alguns pontos e garanta o abastecimento por mais tempo. Quando chove, a caatinga, “mata branca”, fica tomada pelo verde.

Arte rupestre

Nos paredões de rocha próximos à comunidade Queixo D’Antas, inscrições deixadas por antigos moradores ainda precisam ser desvendadas pela ciência. O acesso até o sítio arqueológico é livre, mas é difícil chegar sem um guia local. Estima-se que as inscrições tenham sido feitas há 10 mil anos.

Onça em perigo

No último ano, a bióloga Cláudia Bueno de Campo, coordenadora do Programa Amigos da Onça, recolheu seis onças mortas na região: duas pintadas e quatro pardas. Elas foram abatidas por armas de fogo usadas por moradores locais, onde a cultura da caça ainda é forte. Atuação do Instituto Pró-Carnívoros na região tenta diminuir os conflitos.

Vida selvagem

Uma cobra caninana cruza a estrada na área que pode virar uma unidade de conservação. A espécie não é venenosa, mas os moradores contam que a picada é muito dolorida. Nessa faixa de caatinga selvagem vivem ainda veados, raposas, araras vermelhas e azuis, tatu-bola, tamanduá bandeira, entre outros.

Vida de sertanejo

Nas proximidades da unidade de conservação proposta, seu Cláudio e dona Nininha plantam abacaxi, feijão, milho e mandioca na comunidade Cercadinho. Eles fabricam farinha, tiram óleo do licuri – um tipo de palmeira -, vivem sem energia elétrica e precisam trazer toda a água que usam do povoado mais próximo, Gameleira, que fica a 3 horas de jegue.

Livre, mas identificados

Nas estradas de terra que circundam o Boqueirão da Onça, é normal cruzar com cabras e bodes soltos. A criação de caprinos é a mais comum entre as famílias que vivem no semiárido do Nordeste, marcado por longos períodos de estiagem. Cada animal recebe uma pequena marca na orelha para que sejam reconhecidos pelos proprietários.

História de seca e abandono

Entre os povoados rurais dessa região no norte da Bahia, não é difícil avistar casas abandonadas. A seca extrema dos últimos anos no semiárido fez com que açudes e poços secassem. A falta de água levou funcionários de uma antiga fazenda que cultivava frutas no local a deixarem as terras (foto), a cerca de 100 km de Juazeiro.

Agricultura irrigada

A colheita de tomate mobiliza toda a família nessa pequena propriedade rural, no município de Campo Formoso, Bahia, na região do Boqueirão da Onça. Faz quatro meses que o produtor conseguiu furar um poço para manter a plantação irrigada. “Sem irrigação é muito difícil. As chuvas não são mais como antes”, disse o produtor.

Energia eólica

A região do Boqueirão da Onça foi recentemente descoberta pela indústria de energia eólica. O potencial dos ventos que sopram no alto das serras atraiu diversas empresas internacionais. Segundo o governo do estado da Bahia, as negociações para criação de uma unidade de conservação na região tentam conciliar todos esses interesses.

Fonte: Site De Olho nos Ruralistas e DW