A visita oficial do presidente russo Vladimir Putin à China, a primeira em seu novo mandato, simboliza a consolidação das relações entre os países em um momento de mudanças na geopolítica global — o que deve ser benéfico, inclusive, para a América Latina e Caribe.
O encontro reforça a aliança entre as nações e marca o
75º aniversário de suas relações diplomáticas, além de destacar
a crescente importância dos BRICS e do Sul Global na arena internacional.
O doutorando em relações internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas e membro pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), Tito Lívio Barcellos Pereira, explica ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que a história de cooperação entre Rússia e China não é nova, mas tem se fortalecido desde os anos 1990.
“A relação entre os dois países foi gestada desde o final dos anos 1990, quando houve uma inclinação russa não somente para a Ásia, mas também para o Sul Global”, disse aos jornalistas
Melina Saad e
Marcelo Castilho, ressaltando a importância da parceria em resposta às tensões com o Ocidente, especialmente após o início do
conflito na Ucrânia.
Qual a relação da China e Rússia?
A cooperação sino-russa vai além da política e economia e abrange áreas como intercâmbio cultural e desenvolvimento tecnológico. O professor menciona que muitos observadores ocidentais subestimam a profundidade da relação, que se mostra sólida em várias frentes, desde a construção de usinas nucleares até exploração espacial e desenvolvimento de armas.
A recente visita de Putin também reforçou a aliança dos dois países em relação ao conflito na Ucrânia, com ambos os líderes criticando o unilateralismo norte-americano e a hegemonia ocidental. Pereira destacou que, mesmo com críticas, China e Rússia enfatizam a necessidade de um diálogo multilateral para resolver conflitos globais, incluindo a questão ucraniana.
“China e outros países emergentes, como o Brasil e a África do Sul, podem ser mediadores importantes”, diz, comentando que “propostas de paz de países como a União Africana e a Indonésia foram rejeitadas por não se alinharem com os interesses ocidentais.”
Além disso, a cooperação promete benefícios significativos para a América Latina e o Caribe, regiões mencionadas no comunicado oficial dos dois países. Pereira explica que a parceria pode impulsionar investimentos em infraestrutura, tecnologia e agricultura, áreas onde os países latino-americanos têm grande potencial para se beneficiar da expertise russa e chinesa.
“A cooperação para a América Latina e o Caribe pode trazer benefícios significativos, […] investimentos em infraestrutura, desenvolvimento de novas tecnologias e a terceirização de indústrias chinesas são apenas algumas das maneiras pelas quais essa parceria pode fortalecer a região.”
Qual a participação da Rússia no BRICS?
No contexto dos BRICS, para o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, a visita mostra a importância do bloco como um contrapeso à hegemonia euro-atlântica. “Os BRICS estão se metamorfoseando na segunda década do século 21, agora incorporando novos países da África, Oriente Médio e Ásia”, comentou.
Segundo o pesquisador, a inclusão de novos atores globais é essencial para um sistema internacional mais democrático e plural.
Para o Brasil, a aliança representa uma chance de fortalecer sua posição no cenário global sem um alinhamento incondicional a um único bloco de poder, segundo Pereira. “O Brasil tem uma política externa equilibrada. Reconhecemos a importância dos EUA e Europa, mas também vemos necessidade de uma voz mais forte de países emergentes nas decisões internacionais.”
“A China, por exemplo, é agora o principal parceiro econômico do Brasil, com um superávit comercial que não temos com os EUA”, observou. “Isso mostra a importância de estreitar relações com o sul global para uma maior possibilidade de intercâmbio comercial e tecnológico”, completa.
A China do presidente Xi Jiping, diz, ao contrário das potências ocidentais, não interfere nas políticas internas dos países com os quais colabora, tornando-se um parceiro atraente para muitas nações emergentes. “Os chineses não exigem contrapartidas políticas ou sociais, o que torna seus empréstimos e investimentos menos condicionados.”
“O legado soviético ainda é forte na África, mas a China tem sido a principal investidora em infraestrutura e energia. No entanto, a Rússia está recuperando terreno com projetos de usinas nucleares, ferrovias e mineração.”
O professor
Ricardo Cabral, especialista em relações internacionais, destaca
o simbolismo de Putin escolher a China como primeiro destino. Normalmente, segundo ele, a primeira visita de um chefe de Estado recém eleito é feita ao parceiro mais estratégico e importante.