Em 2021, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal à época, e o então procurador-geral da República, Augusto Aras, elaboraram uma estratégia silenciosa que desarticulou uma movimentação golpista encabeçada pelo governo de Jair Bolsonaro.
Fux, segundo livro que será lançado pelo jornalista Luis Costa Pinto, teria colocado atiradores de elite (snipers) em cima do prédio do Supremo Tribunal Federal, que teriam ordem de atirar contra bolsonaristas, caso estes tentassem tomar o prédio da Suprema Corte na capital federal,
Com isso, foi possível conter a ocupação promovida por hordas de apoiadores do então presidente da República na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 7 de setembro daquele ano.
Os bastidores dessa trama foram revelados pelo jornalista Luís Costa Pinto por meio de reportagem no site Brasil 247,em entrevista à TV GGN e em matéria publicada recentemente pelo Portal Metrópoles.
Desarmando o golpe
De acordo com o 247, na madrugada daquele 7 de setembro, Fux telefonou para o general da reserva e então ministro da defesa Walter Braga Netto “num tom ameaçadoramente resignado e frio”: “Ministro, eu não vou pedir GLO. Já disse isso ao general Matsuda”, teria afirmado o presidente da Suprema Corte ao subordinado de Bolsonaro.
“O general Yuri Matsuda era o Comandante Militar do Planalto naquele momento. Luiz Fux foi além ao explicar o porquê de não pedir GLO ao então ministro da Defesa: – Há atiradores de elite que eu ordenei que fossem estrategicamente colocados na laje do prédio do Supremo Tribunal Federal. Vou mandar que abram fogo contra quem quiser invadir o STF e se eles romperem o terceiro bloqueio na Esplanada dos Ministérios. Já romperam dois. Se romperem o terceiro, darei ordem de atirar. Estou dentro do Supremo, e daqui não sairei”, relata a reportagem.
Braga Netto, então, teria consultado o então procurador-geral da República, Augusto Aras, para saber se Fux poderia cumprir com as ameaças. “Pode, claro. E ele está certo”, teria dito Aras.
“Jair Bolsonaro foi então avisado pelo seu aparelho militar que haveria uma dura repressão às hordas de apoiadores seus que compareciam a Brasília convocados por ele e por meio de suas redes e de seus perfis golpistas em aplicativos de mensagens. Fux fez seu recado chegar, com idêntica gravidade, ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. “O que ele quer que eu faça?”, chegou a perguntar Ibaneis a um interlocutor comum dele e de Fux. E ouviu uma resposta em revés: “que ponha a Polícia Militar para controlar o povo na Esplanada e mantenha a terceira e última barreira de acesso ao Congresso e ao STF”, mandou dizer o presidente do Supremo à época”, acrescenta o texto.
Além disso, antevendo a possibilidade de conflitos, Aras teria agido desde maio de 2021 para evitar o apoio de policiais militares aos atos de 7 de setembro.
“O procurador-geral do Ministério Público Militar, Marcelo Weitzel, foi despachado para rodar o País e esteve reunido nas 27 unidades da federação com todos os comandantes das PMs. Ele pediu que, entre 6 e 8 de setembro de 2021, todos os soldados da ativa, de todas as forças estaduais e do DF, estivessem aquartelados e em regime formal de prontidão. Mantidos assim, em prontidão, os policiais militares não poderiam estar presentes aos eventos que Bolsonaro convocava e teriam de seguir as ordens de seus comandantes diretos. Caso contrariassem aquelas ordens, enfrentariam a Justiça Militar”, explica a reportagem.
Ainda, procuradores-gerais de Justiça de todos os estados e do Distrito Federal foram convocados a Brasília no início de agosto de 2021, para uma reunião na sede do STF com os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, que teriam advertido os procuradores estaduais que “desordens e badernas associadas a eventos de cunho golpistas nos estados fariam com que a culpa recaísse sobre os governadores e sobre os comandantes de cada uma das Polícias Militares”.
Ataque planejado
Tudo começou em maio daquele ano, quando oficiais de alta patente das três forças militares alertaram a Procuradoria-Geral da República sobre os planos do governo federal. Conforme os relatos, a ideia para a tomada definitiva do poder era forçar o STF a pedir ao Executivo uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO), sob a justificativa de reprimir o movimento golpista convocado pelo próprio Bolsonaro para o feriado do Dia da Independência. Para isso, o então presidente pretendia contar com o apoio das PMs, sobretudo do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
As informações foram transmitidas para Aras, que percebeu a gravidade da situação. Logo em seguida, o então PGR chamou Fux para se reunir com os militares que haviam relatado as intenções golpistas do governo federal. A dupla, então, passou a buscar informações nas Forças Armadas para verificar a veracidade do plano.
Tática de guerra
Convencidos dos riscos de concretização, Fux e Aras se reuniram com o subprocurador-geral de Justiça Militar Marcelo Weitzel, que já havia ocupado o cargo de procurador-geral de Justiça Militar (chefe do Ministério Público Militar). Juntos, eles ampliaram as conversas com outros ministros do STF e traçaram a estratégia para desmontar o golpismo. Os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Dias Toffoli começaram a participar mais diretamente da estratégia.
Weitzel foi despachado para se reunir com os governadores e comandantes das PMs dos 26 estados e do DF. Com isso, ele descobriu que de fato havia risco de adesão dos policiais militares ao movimento golpista. Então, o STF e a PGR passaram a articular para que todos os comandantes das PMs decretassem, entre 6 e 8 de setembro, o estado de prontidão — que obriga os agentes a ficarem aquartelados. Em agosto, Aras e o então vice-PGR, Humberto Jacques de Medeiros, organizaram uma reunião no STF com Alexandre, Toffoli e os procuradores-gerais de Justiça (chefes dos MPs) de todos os estados e do DF.
Na ocasião, os dois ministros da corte e a cúpula da PGR alertaram os PGJs de que, caso houvesse adesão de policiais ao golpismo, a culpa recairia sobre os governadores e sobre os comandantes das PMs.
Sucesso aos poucos
Em seguida, os PGJs começaram a convencer os governadores e comandantes das PMs de seus respectivos estados a instituir o estado de prontidão nas datas combinadas. Houve resistência em alguns estados, principalmente em Mato Grosso. O vice-governador, Otaviano Pivetta, que comandava o estado como interino em exercício naquele momento, recusou-se a intervir na PM. Ele só cedeu após Aras ameaçar pedir a prisão de todos os que não seguissem a estratégia.
No Rio, o governador Cláudio Castro, de início, admitiu que não tinha controle sobre a PM. O comandante da corporação fluminense, coronel Rogério Figueiredo, já havia dito que não iria aquartelar suas forças e que elas iriam para o ato. Duas semanas antes do Dia da Independência, porém, Castro resolveu trocar Figueiredo pelo coronel Luiz Henrique Marinho Pires. Com isso, a adesão ao ato golpista foi desmontada.
Telefonemas
Já no dia 6 de setembro, as hordas bolsonaristas começaram a chegar à Esplanada. Elas romperam os dois primeiros bloqueios feitos pela PM do DF. Na madrugada do dia 7, Fux foi até o STF, instalou-se no gabinete, convocou atiradores de elite das forças de segurança da corte e ordenou que eles se posicionassem na laje do prédio. Em seguida, o então presidente do Supremo telefonou para o então chefe do Comando Militar do Planalto, general Rui Yutaka Matsuda, e para o então ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.
Fux deixou claro que não pediria uma GLO (uma operação do tipo teria de ser concedida por Bolsonaro). O ministro também informou sobre a presença dos atiradores e alertou que mandaria abrir fogo contra os bolsonaristas caso eles rompessem o terceiro bloqueio policial na Esplanada. Braga Netto chegou a consultar Aras para saber se Fux podia fazer o que ameaçava. O PGR respondeu que sim e reforçou que a atitude do ministro era correta.
Fux também telefonou para o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que não estava em Brasília. Ele ameaçou intervir na PM e ordenou que o chefe do Executivo distrital fizesse a corporação tirar o povo da Esplanada. A multidão, então, acabou sendo controlada e o ato foi desmantelado.
Frustrado o golpe, Bolsonaro recua e temendo reação de Moraes pede ajuda de Temer
Frustrado com a descoberta do golpe, Bolsonaro discursou furioso para a multidão chamado Alexandre de Moraes de “canalha”.
“Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais.”
Ou esse ministro [Alexandre de Moraes] se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade. Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos.
Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Deixa de oprimir o povo brasileiro, deixe de censurar o seu povo. Mais do que isso, nós devemos, sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade”.
Em razão da crise institucional provocada pela ameaça golpista, dois dias depois (09/09) Bolsonaro mandou um avião para São Paulo, a fim de buscar o ex-presidente Michel Temer (que indicou Alexandre de Moraes ao STF no seu governo) para um almoço. Durante o encontro, que não estava na agenda oficial e do qual também participou o advogado-geral da União, Bruno Bianco, Temer orientou o presidente a divulgar um “manifesto de pacificação”, intitulado “Declaração à Nação”. O texto foi redigido pelo próprio Temer e aprovado por Bolsonaro.
O ex-presidente ligou para Alexandre de Moraes, pediu desculpas pelas declarações no seu discurso, e a situação ficou pacificada.
O 7 de setembro de 2021 seria o primeiro ato de tentativa de golpe contra a democracia por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, o segundo foi em 6 de janeiro, que também foi igualmente debelado, para o bem do Brasil e da democracia.
Com informações do Brasil 247, Metrópoles, GGN, Consultor Jurídico e o Podcast de Andre Gonçalves