Trump dobra a aposta e taxa a China em 104%

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, confirmou nesta terça-feira (8) que os Estados Unidos vão cobrar tarifas de 104% sobre os produtos chineses a partir de quarta-feira (9). A medida é mais um episódio da guerra comercial entre os países.

Na coletiva de imprensa transmitida pelas redes sociais da Casa Branca nesta tarde, a secretária foi questionada por um repórter se o presidente Donald Trump manteria a decisão de adicionar 50% em taxas sobre os produtos da China.

“Elas [as novas taxas] entrarão em vigor à meia-noite de hoje. Então, efetivamente amanhã”, respondeu Karoline Leavitt.

Minutos antes, a secretária havia criticado o governo chinês por não recuar e aceitar uma negociação com os Estados Unidos.

“Países como a China, que escolhem retaliar e tentam redobrar os maus-tratos aos trabalhadores americanos, estão cometendo um erro. O presidente Trump tem uma espinha dorsal de aço e não vai quebrar. A América não vai quebrar sob sua liderança. Ele é guiado por uma firme convicção de que a América deve ser capaz de produzir bens essenciais para o nosso próprio povo e exportá-los para o mundo”, disse Leavitt.

Na segunda-feira, Donald Trump havia ameaçado impor tarifas adicionais sobre todas as importações da China caso Pequim não recuasse da decisão de impor tarifas recíprocas contra Washington.

“Se a China não retirar seu aumento de 34% acima de seus abusos comerciais de longo prazo até amanhã, 8 de abril de 2025, os Estados Unidos imporão tarifas adicionais à China de 50%, com efeito em 9 de abril”, disse o americano em rede social.

Histórico de taxação

Em março, Washington impôs taxas específicas de 20% à China, em um dos primeiros movimentos de Trump para pressionar o país asiático. No último dia 2 abril, os EUA iniciaram uma guerra de tarifas contra todos os parceiros comerciais, com taxação adicional de 34% sobre todos os produtos chineses que entram no país norte-americano. Com a promessa de uma terceira taxação de 50%, o total iria para 104%.

Além de retaliar com tarifas de 34% sobre os produtos estadunidenses, Pequim também estabeleceu restrições para exportação de minerais raros, chamados terras raras, e proibir o comércio com 16 empresas dos EUA.

Em editorial publicado no domingo (6), o jornal porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCCh) – o Diário do Povo – disse que a China está preparada para a guerra de tarifas de Donald Trump e que o “céu não cairá” por causa das novas barreiras comerciais.

“Devemos transformar pressão em motivação e encarar a resposta ao impacto dos EUA como uma oportunidade estratégica para acelerar a construção de um novo padrão de desenvolvimento”, afirmou o editorial do principal jornal do PCCh.

Empresas norte-americanas sofrem grandes perdas com tarifaço

As ações da Tesla recuaram 2,45%, e as da Apple, 3,43%, após o anúncio de mais tarifas dos Estados Unidos contra a China.  A Apple já perdeu US$ 311 bilhões em valor de mercado logo após o anúncio das primeiras tarifas, em 3 de abril. No dia seguinte, com a retaliação chinesa e novas ameaças por parte da Casa Branca, as ações da companhia continuaram em queda. A Tesla, teve perdas de US$ 160 bilhões.

A fabricante do iPhone, que tem mais de 90% de sua produção concentrada na China, está entre as multinacionais mais expostas ao conflito. Além de enfrentar custos maiores para importar seus produtos ao mercado doméstico, a Apple corre o risco de ver suas vendas despencarem na China — seu segundo maior mercado. Em 2024, a receita da empresa no país asiático já havia encolhido 8%, e analistas preveem um agravamento dessa tendência diante do apelo crescente por alternativas nacionais, como Huawei e Xiaomi.

Com tarifas que chegam a 60% sobre a cadeia produtiva do iPhone, o custo de um aparelho pode saltar de US$ 550 para quase US$ 880, segundo estimativas do banco UBS. A companhia até tentou garantir isenções com promessas de investimento em território americano — o CEO Tim Cook chegou a anunciar US$ 500 bilhões em aportes —, mas até o momento, a ofensiva tarifária de Trump não poupou o setor.

Outros gigantes da tecnologia, como Alphabet (Google), Meta e Amazon, também estão na mira de possíveis retaliações. Em diferentes partes do mundo, crescem as investigações antitruste, os impostos sobre serviços digitais e as barreiras regulatórias a empresas americanas. Segundo reportagem da revista The Economist, os parceiros comerciais dos EUA podem adotar o “caminho inverso” e começar a atacar o setor de serviços norte-americano — justamente o que apresenta superávit na balança comercial. Em 2024, os EUA exportaram US$ 1,1 trilhão em serviços, quase o dobro de qualquer outro país.

A União Europeia, por exemplo, já aprovou um “instrumento anti-coerção” que permite retaliar práticas unilaterais com medidas que vão desde a exclusão de empresas de licitações públicas até o bloqueio de direitos de propriedade intelectual. Para Michael Froman, ex-negociador comercial dos EUA, o problema é que o governo Trump parece mais interessado em manter as tarifas como forma de coerção do que usá-las como barganha para abrir mercados.

Além das empresas, o impacto das tarifas já começa a ser sentido no bolso dos consumidores norte-americanos. Em grandes redes como Walmart e Costco, moradores de Nova Jersey e outros estados iniciaram um movimento de estocagem, temendo alta nos preços e desabastecimento. “Estou comprando o dobro de tudo — feijão, farinha, produtos enlatados”, disse à Reuters Thomas Jennings, de 53 anos. Já a aposentada Maggie Collins, com renda fixa, trocou marcas tradicionais por versões mais baratas. “Pagar mais num item significa cortar outro”, lamentou.

Segundo um centro de pesquisa apartidário citado pela agência, o tarifaço de Trump pode custar US$ 3,1 trilhões à economia dos EUA nos próximos dez anos — um impacto equivalente a US$ 2.100 por família apenas em 2025. Diante desse cenário, analistas e consumidores temem o retorno da inflação, o encolhimento do consumo e o risco real de uma recessão.

 

Brasil ganhar mercados da disputa entre potências

Em meio à turbulência global provocada pela guerra tarifária entre Estados Unidos e China, algumas economias emergentes vislumbram oportunidades. É o caso do Brasil, que foi um dos poucos países a escapar com uma tarifa “recíproca” mais branda, de apenas 10%, imposta pelo governo de Donald Trump. A nova rodada de tarifas entra em vigor nesta quarta-feira (9), e pode representar uma vantagem competitiva para o país em áreas estratégicas como o agronegócio e a exportação de manufaturados.

A ofensiva tarifária de Trump mira especialmente economias com superávit comercial significativo em relação aos EUA, como China, Japão, Coreia do Sul, Vietnã e Bangladesh — todos penalizados com taxas superiores a 20%, chegando a até 46%. O Brasil, por outro lado, é importador líquido de produtos norte-americanos, o que o posiciona como um parceiro comercial de menor risco aos olhos da Casa Branca. Além disso, o país pode herdar parte da demanda que será redirecionada por empresas chinesas atingidas pelas tarifas norte-americanas.

O histórico recente também joga a favor. Durante o primeiro mandato de Trump, os produtores brasileiros de soja e milho lucraram com o vácuo deixado pela suspensão das compras chinesas de grãos norte-americanos. Esse cenário pode se repetir agora, com a China buscando novos fornecedores de commodities agrícolas, carnes e alimentos processados. A expectativa é que o Brasil amplie sua presença no mercado chinês, ao mesmo tempo em que reduz sua vulnerabilidade às oscilações nos EUA.

Outros países emergentes também estão atentos às brechas que se abrem com o tarifaço. Egito, Marrocos e Turquia, todos com déficits comerciais com os EUA, enxergam espaço para avançar em setores como têxteis e siderurgia, à medida que concorrentes diretos — como Bangladesh e Vietnã — enfrentam pesadas sobretaxas. “A oportunidade está à vista, só precisamos agarrá-la”, afirmou Magdy Tolba, presidente da empresa egípcio-turca T&C Garments, à Reuters.

Na Ásia, a Índia aposta na redistribuição da cadeia de suprimentos global para ampliar sua fatia no mercado norte-americano, principalmente nos setores de vestuário, calçados e produção de eletrônicos. Há ainda expectativa de que parte da fabricação de iPhones, hoje concentrada na China, seja transferida para o país, em razão das novas tarifas impostas a Pequim.

Apesar disso, analistas alertam que nenhum país sairá completamente ileso. Em Cingapura, por exemplo, o índice Straits Times registrou sua maior queda desde 2008, e o governo já admite que uma recessão nos EUA ou na economia global pode anular qualquer benefício imediato. “Não há vencedores em uma guerra comercial”, disse a economista Selena Ling, do banco OCBC. “Tudo é relativo.”

Na América do Sul, além do Brasil, há expectativa de que o impasse entre Washington e Pequim reacenda as negociações em torno do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Com suas exportações ainda fortemente concentradas em commodities, o Brasil poderia se tornar o maior beneficiário de um eventual avanço no tratado, ganhando acesso facilitado ao mercado europeu em um momento de reconfiguração das rotas globais de comércio.

Embora as oportunidades existam, especialistas alertam que os ganhos serão limitados pelos impactos de uma recessão global. A instabilidade nos fluxos de capitais, a volatilidade cambial e a retração na demanda por bens industriais podem frear qualquer impulso mais consistente. Ainda assim, diante do caos, países como o Brasil seguem buscando brechas para ampliar sua presença nos mercados globais — mesmo em tempos de guerra.

Com Agência Brasil e Portal Vermelho

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