Rita Lee Jones era f.! No sangue não tinha hemoglobina, era só rock in roll, Yeah! Rita enfrentou a ditadura com suas músicas, seu lirismo e sua capacidade de circular em vários movimentos, como o Tropicalismo de Gilberto Gil, Caetano & Cia e também a MPB, onde brilhavam Elis Regina, Chico Buarque e outros. Aliás, sobre Elis Regina, um parentese: A “pimentinha” tirou Rita Lee da cadeia!!!

Duas cantoras ficaram bastante próximas — Foto: Reprodução/YouTube
A própria Rita Lee contou o episódio, no jornal O Tempo, de Minas Gerais:
Corria o ano de 1976 e Rita Lee estava grávida de seu filho mais velho à época, Beto e foi presa por porte de maconha. Rita contou então com uma ajuda um tanto inesperada quando estava encarcerada. Na ocasião, Elis Regina foi a primeira pessoa a visitá-la na cadeia.
“A última pessoa que eu esperava que fosse me visitar na cadeia era a Elis. O carcereiro falou: ‘Ô, Ovelha Negra, tem uma cantora famosa aí que está rodando a baiana, dizendo que vai chamar a imprensa. Ela quer te ver. Aí o delegado mandou te chamar'”, contou a Ronnie Von.
Elis chegou acompanhada de João Marcelo, seu filho mais velho e, segundo recordou Rita, começou a “falar duro” com os policiais, reclamando que Rita estava muito magra, sobretudo considerando a gravidez. Rita diz que a prisão foi injusta, pois não estava fazendo uso de entorpecentes.
A “Pimentinha” fez um escândalo na delegacia para conseguir retirar Rita de lá. “O que ela falou, o que ela rodou. E você pensa que os caras falavam alguma coisa com ela? Falavam nada. Ela baixinha, falando e cobrando: ‘Eu quero médico já, se não tiver médico, vou chamar a imprensa’. E ninguém mexia com a Elis, ela era do Olimpo”, disse. Com isso, Rita acabou cumprindo prisão domiciliar.
A amizade que perdurou —com as duas se apelidando de “Maria Elis” e “Maria Rita”— não foi sempre assim.
“É engraçado porque naquela época dos festivais da Record, Mutantes, Tropicalismo e tudo, ela passava pela gente virando a cara. Ela fez parte daquela passeata contra a guitarra elétrica na música brasileira”, recordou Rita.
A passeata em questão aconteceu em 1967, e Elis chegou a ser uma das líderes, estimulada pela Record TV. No ano seguinte, a artista concedeu uma entrevista elogiando Caetano Veloso e o movimento Tropicalista e, aos poucos, cedeu à modernização. Foi daí que surgiu o encantamento e aflorou uma amizade entre as duas.
“Por uma grata coincidência, a casa de Elis e a minha eram vizinhas na Cantareira e logo passamos a nos frequentar tipo as mais novas amigas de infância. Por mais que sua fama fosse de encrenqueira, comigo era só dengo, afinal, eu não representava a menor ameaça à coroa de melhor cantora, daí que meu ego não se digladiava com o dela”, conta Rita na autobiografia lançada em 2016.
“O que realmente surpreendia a nós duas era a impensável amizade sincera entre uma roqueira porra-louca e a rainha da MPB.”
Censura encheu o saco!
Rita Lee foi uma das artistas mais censuradas durante a ditadura militar no Brasil, segundo a pesquisadora Norma Lima, doutora em literatura e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Nas minhas pesquisas, eu verifiquei isso, encontrei várias letras dela que tinham sido censuradas e é uma censura de costumes, não é só política”.
Evidência disso é que a artista foi alvo de monitoramento mesmo após o período de repressão no país. “Quando a ditadura acabou, ela foi censurada em um disco de 1988 que é Pega Rapaz, a letra foi censurada: de “frente e de trás eu te amo cada vez mais”, lembrou. Rita Lee morreu na noite da última segunda-feira (8), aos 75 anos.

Cópia da letra “Pega Rapaz” Foto: – Divulgação
Entre os casos de vetos no que se refere a costumes e que trazem questões de sexualidade, Norma Lima apontou Lança Perfume e Cor-de-rosa choque. “Mas ela também teve letras que criticavam os políticos, como Arrombou o cofre, essa que foi uma faixa riscada [o disco era vendido com a faixa riscada], e ela falava da corrupção no Brasil, dos escândalos, isso foi denunciado por ela nessa música.”
“O fato de ser mulher já a coloca como uma pessoa perseguida dentro do patriarcado. E uma mulher ousada, ela só foi presa porque ela era ousada, porque ela rompia. Se você olhar o comportamento da mulher nos anos 60, compara com a Rita, ela não ficava em caixinha. Ela falava o que pensava, uma pessoa inteligente, que sabia se expressar, e ela realmente foi muito perseguida por causa disso.”
Rita Lee foi diversas vezes definida por estereótipos relacionados a drogas, enquanto tinha carreira e atuação relevantes, uma figura de vanguarda em diversas questões. De acordo com a pesquisadora, o primeiro beijo gay em TV aberta foi apresentado em um clipe de Rita Lee, em “Obrigado não”, no programa de TV Fantástico, da Rede Globo. A canção aborda diversos assuntos considerados tabu até hoje.
A pesquisadora citou a canção Ambição como representativa da artista e da sua carreira. “Tem uns versos no final em que ela diz assim: “eu quero matar a vontade enquanto tenho saúde e idade, fazer um pouco de tudo, vender a alma para poder comprar o meu mundo“. Ela é uma pessoa que que criou o mundo dela, mas é um mundo extensivo tanta gente.”
“Eu acho que ela mudou muita coisa, ela realmente transformou. Era uma pessoa inquieta, não era uma pessoa acomodada, ela quis um outro mundo, uma outra realidade”, acrescentou. Norma avalia ainda que Rita Lee modernizou a música brasileira e que trouxe contribuições diversas. “Ela colocou o Brasil de uma forma muito futurista. A mensagem da Rita não é datada, pertence a todas as épocas”.
“Na época dos Mutantes, ela era o colorido, a graça do grupo. Quando ela foi cantar com Tutti Frutti, ela pegou as letras em inglês e deu uma qualidade muito grande, em português, tinham mensagens. Depois, me parece que ela abriu muito caminho para as cantoras, ela foi uma mulher ousada nos anos 70 dentro da repressão, como uma mulher que realmente abriu os caminhos para as que vieram depois”, disse a pesquisadora.
Com informações do Jornal O Tempo e Agência Brasil