Pesquisa com cogumelos psicodélicos avançam na psiquiatria para fazer frente a epidemia de drogas psiquiátricas

Pesquisa com cogumelos psicodélicos avançam na psiquiatria para fazer frente a epidemia de drogas psiquiátricas

O uso de medicamentos psiquiátricos como antidepressivos e estabilizadores de humor crescem vertiginosamente em todo o mundo. No Brasil, o Conselho Federal de Farmácia aponta para o aumento da venda destes produtos em 58% entre 2017 e 2021. Outras distúrbios, como a depressão, seguem o mesmo caminho de ascensão. Se, de um lado, há uma explosão da venda de medicamentos da indústria farmacêutica, por outro, cada vez mais crescem pesquisas com métodos alternativos; particularmente envolvendo uso de psicodélicos.

De acordo com dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, o consumo de remédios para ansiedade cresceu 10% entre 2019 e 2022; o de sedativos, usados para dormir, aumentou 33%; e o de antidepressivos saltou 34%. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países com maior número de depressivos e ansiosos no mundo; cerca de 6% e 10%, respectivamente. Dados de pesquisa Universidade de São Paulo (USP) apontam que o Brasil é o país com maior índice de trabalhadores com distúrbios mentais, à frente de Irlanda e Estados Unidos, que completam o pódio.

Síndromes do capital

Efeitos do isolamento pós-pandemia de covid-19; abuso de telas; ausência de convívio social; precarização do trabalho em suas inúmeras formas; duplas e triplas jornadas para mulheres; caos climático; queda no poder de compra; falta de perspectivas para quitar dívidas ou chegar à casa própria na crise do capitalismo tardio; falácia da meritocracia; sociedade do cansaço e do fracasso. “O indivíduo se explora e acredita que isso seja realização”, como afirma o filósofo Byung-Chul Han, autor da obra Sociedade do Cansaço (2015).

Pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas se debruçam sobre “gatilhos” que podem estar associados ao colapso da saúde mental no mundo. “Neoliberalismo não é só uma teoria macroeconômica. É também um dispositivo psicológico aliado a um discurso moral aplicado à produção de sofrimento para se obter desempenho”, como afirma o psicanalista e professor da USP Christian Dunker em relato para a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Enquanto isso, a indústria do falso bem-estar aproveita da situação para vender produtos e serviços sem eficácia. De cristais mágicos a cursos com “especialistas quânticos”. Crescem oportunidades para falsas soluções de forma diretamente proporcional com o lucro das indústrias farmacêuticas. Nos últimos cinco anos, o faturamento destas empresas cresceu 62%, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Caminhos da ciência

Não se trata de “demonizar” ou criticar tratamentos eficazes e comprovados para distúrbios reais. O avanço das drogas da indústria farmacêutica ajuda portadores de síndromes e doenças mentais. Inclusive, salvando vidas. Contudo, há de se ponderar que, para determinados casos, podem existir outras saídas. Tratamentos que tragam menor dependência e maior eficácia. Que apresentem abordagens mais amplas sobre as patologias psiquiátricas e distúrbios psicológicos.

Estes caminhos alternativos enfrentam resistência do conservadorismo. Inúmeros países impedem até mesmo a pesquisa científica, assistida, com substâncias como a psilocibina, presente em cogumelos. Estas pesquisas, contudo, não são novidade. Cientistas trabalham, com grandes resultados, desde a década de 1960 com substâncias psicoativas como a dietilamida do ácido lisérgico (LSD). Pesquisas que, embora promissoras, foram quase extintas em razão da política de guerra às drogas, liderada pelos Estados Unidos a partir da década de 1970.

Contudo, cada vez mais cientistas tentam retomar esse caminho do conhecimento, barrado por políticas ineficazes, guiados por lobby, interesses financeiros e conservadorismo irracional.

Resultados dos psicodélicos

No sentido de retomar pesquisas, países mais progressistas já autorizam a evolução da ciência. É o caso do Canadá. Na última semana, uma equipe de pesquisadores — incluindo três brasileiros — divulgou o estudo “Psicoterapia assistida por psilocibina para tratamento de depressão resistente: Um teste clínico aleatorizado avaliando doses repetidas de psilocibina”, na renomada revista científica Cell.

Durante quase dois anos, os resultados foram expressivos. Superiores aos medicamentos convencionais. Além disso, outros detalhes chamam atenção. Muitos dos pacientes relatam mudança em suas vidas, maior entendimento sobre si, contato com a espiritualidade, enfim. Resultados relatados em outros estudos similares que, inclusive, resultaram em um documentário disponível na Netflix chamado Fungos Fantásticos (2019).

“O que eu mais gostei foi de ver o efeito da psilocibina, na prática, uma experiência que vai além dos números, da escala de depressão. Ver o que a pessoa diz sobre a experiência, foi o que achei mais interessante”, explica Elisa Brietzke, psiquiatra da Queen’s University em Ontario, em entrevista para a Folha de S.Paulo.

Psicodélicos e despatologização

No fim do ano passado, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) liderou um seminário sobre este tema. o “7 º Seminário Internacional ‘A epidemia das drogas psiquiátricas’” apresentou perspectivas para o estudo de formas alternativas para o tratamento destas patologias com psicodélicos. “O tema da desmedicalização e despatologização da vida é prioritário para nós do Laps, está nos nossos processos de pesquisa, de formação e de intervenção no campo da reforma psiquiátrica brasileira”, afirmou Ana Paula Guljor, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz).

O pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do CEE/Fiocruz, o também escritor Sidarta Ribeiro lembrou que o Brasil é o terceiro país com maior número de pesquisas sobre o tema. Apesar de ser um país conservador, ajuda o fato de que há permissão para uso e pesquisa com ayahuasca. “Há um grande potencial disruptivo e contra hegemônico porque se trata de produtos naturais. A gente precisa aproveitar que o Brasil está muito avançado nisso”, disse na ocasião.

Então, o caminho agora é de pesquisa e produção de conhecimento no campo dos psicodélicos. Neste mesmo sentido, o Conselho Federal de Psicologia abriu, em novembro de 2023, um Grupo de Trabalho sobre o tema. “Para além da importância de discutir a fisiologia e os impactos de substâncias psicoativas no funcionamento da vida das pessoas, é fundamental debater aspectos relacionados ao acompanhamento terapêutico, que envolve questões acerca de métodos e técnicas e da ética da Psicologia”, afirma a coordenadora do grupo, Carolina Roseiro.