Na Alemanha 380 mil manifestantes foram às ruas de diversas cidades dpara protestar contra a ascensão da extrema direita e a conivência da União Democrata-Cristã (CDU) com o partido ultranacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD); na Argentina, uma multidão estimada em mais de 160 mil protestou contra as políticas do presidente Javier Milei, contra mulheres e comunidade LBBTQIA+
Alemanha
O principal alvo das manifestações na Alemanha foi o conservador Friedrich Merz, líder das intenções de voto e da CDU, cuja estratégia de contar com votos da AfD no parlamento alemão na última sexta (31) acendeu alertas sobre o rompimento do “cordão sanitário” contra a extrema direita.
Em Berlim, cerca de 160 mil pessoas participaram dos protestos no domingo (2), segundo a polícia local. De acordo com os organizadores, foram 250 mil. A polícia admitiu que a contagem era complexa, já que vários protestos ocorreram ao mesmo tempo. Todos saíram das cercanias do Parlamento, no centro da cidade, para a sede da CDU.
A caravana, acompanhada por mais de 500 policiais, começou a ser retida quarteirões antes do endereço da legenda, pois “há muita gente na rua”, repetia um porta-voz da polícia, com um megafone, efusivamente aplaudido toda vez que confirmava o tamanho da multidão. A expectativa inicial era de 60 mil participantes.
No sábado (1º), outras cidades alemãs, como Hamburgo, Leipzig, Colônia e Stuttgart, também foram palco de manifestações, totalizando mais de 220 mil participantes no final de semana.
Os atos foram organizados por sindicatos, movimentos sociais, partidos de esquerda e entidades judaicas, todos unidos pelo lema “Wir sind die Brandmauer!” (“Nós somos a barreira de fogo!”, termo alemão para o cordão sanitário).
A indignação dos manifestantes foi impulsionada pela recente decisão de Merz de propor e votar medidas restritivas contra a imigração no Bundestag (parlamento alemão), contando com apoio da AfD. A postura do líder da CDU foi interpretada como uma normalização do discurso da extrema direita e uma quebra do histórico isolamento institucional da sigla ultranacionalista.
“Nein, Friedrich” (“Não, Friedrich”) era uma das mensagens mais vistas entre os cartazes erguidos durante os protestos. Outra frase que ganhou destaque foi “faltam 5 minutos para 1933”, em referência ao ano em que Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha.
Merz e a polêmica com o cordão sanitário
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o sistema político alemão tem um “cordão sanitário” contra partidos de extrema direita. Essa barreira impede coligações ou votações em conjunto entre partidos democráticos e formações de viés fascista. A CDU, até então, mantinha esse compromisso.
Contudo, nos últimos meses, a legenda tem adotado uma postura mais ambígua. Alianças indiretas entre CDU e AfD já foram registradas em estados do leste alemão, como Turíngia e Saxônia-Anhalt, onde a extrema direita tem ganhado força.
A decisão de Merz de contar com os votos da AfD para aprovar projetos anti-imigratórios foi criticada por diversas lideranças políticas, incluindo a ex-chanceler Angela Merkel, que alertou sobre os riscos de ceder espaço para a extrema direita. A CDU, por sua vez, tenta minimizar as críticas, alegando que sua posição se baseia apenas na urgência do debate sobre imigração.
Repercussão e resposta política
Diversos políticos alemães participaram dos protestos para reforçar a importância da defesa da democracia. O vice-chanceler Robert Habeck (Verdes) e o ministro da Saúde Karl Lauterbach (SPD) estavam entre os presentes. Michael Friedman, jornalista e ativista judeu, discursou em Berlim, condenando Merz por sua aproximação tácita com a AfD e anunciando sua saída da CDU.
“Estamos aqui porque somos contra o racismo e o antissemitismo. Precisamos agir antes que seja tarde”, afirmou Friedman.
O chanceler Olaf Scholz também se pronunciou, criticando a CDU por “flertar com ideias da extrema direita” e alertando para os riscos que isso representa para a democracia alemã.
CDU e AfD: os riscos de normalizar o extremismo
Merz insiste que “não há colaboração” entre CDU e AfD, mas a realidade aponta o contrário. Na última semana, a CDU votou ao lado da AfD no parlamento para endurecer leis migratórias, o que concedeu à extrema direita sua primeira vitória legislativa no Bundestag. Essa decisão gerou revolta não apenas na esquerda, mas também entre setores mais moderados da própria CDU.
Historicamente, episódios de conivência entre conservadores e extremistas resultaram em tragédias democráticas. O caso de Franz von Papen, que ajudou Hitler a chegar ao poder em 1933 acreditando que poderia “controlá-lo”, é uma lembrança incômoda para a Alemanha. A história já demonstrou que a permissividade com discursos extremistas cobra um preço alto.
Argentina
Milhares de pessoas saíram às ruas, em Buenos Aires, capital da Argentina, no sábado (1) para a Marcha Federal do Orgulho Antifascista e Antirracista.
A manifestação, organizada por movimentos populares, é uma resposta ao discurso de ódio do presidente Javier Milei. Em um pronunciamento no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no último dia 23, ele atacou ideais progressistas, como o feminismo, o ambientalismo e a identidade de gênero.
Para a manifestante Daniela Pugliese, as declarações do presidente despertam medo. Mulher transexual, ela relata a discriminação sofrida no cotidiano. “Consideraram mais a minha imagem do que a minha capacidade. Sou uma pessoa formada, tenho diploma superior, ensino médio completo, experiência profissional e, ainda assim, me custou horrores conseguir trabalho”, lamenta.
Pugliese segurava um cartaz com os dizeres “Sou parte desta sociedade. Basta de ódio”. “Querem que tenhamos um retrocesso (…) Temos direito de viver, somos parte, temos direito de estar aqui, de trabalhar de ter filhos, de ter família, de ser parte de uma família”, ressalta.
“Senti medo, muito medo” declarou Daniela Pugliese sobre as falas de Milei / Reprodução/ARG Medios
No discurso, o presidente argentino acusou as pessoas trans de estarem “prejudicando irreversivelmente crianças saudáveis através de tratamentos hormonais e mutilações”, uma fala carregada de preconceito e desconhecimento sobre a comunidade LGBTQIA+.
Milei também defendeu as duras políticas de austeridade econômica de seu governo, apesar do impacto sobre as populações mais pobres da Argentina; e elogiou líderes da extrema direita mundial, como Donald Trump, Benjamin Netanyahu, Viktor Orbán e Giorgia Meloni.
“A importância de estar aqui é pela democracia, direitos humanos, e isso tem que ser valor em todo o mundo”, diz um manifestante, identificado como Pablo. “Na Ásia, na Europa, na América do Norte, em toda a América Latina a democracia está em perigo”, alerta.
Com BdF e Portal Vermelho