Lula vai assentar sem terras em Formosa e Crixas em Goiás

Na última sexta-feira (7), em evento realizado em Campo do Meio (MG), o governo federal anunciou a entrega de 12.297 lotes de terra para famílias acampadas em 24 estados brasileiros. Os lotes serão organizados em 138 assentamentos.

Embora o anúncio represente um avanço na política da reforma agrária, as entregas atenderão somente 10% da demanda por terra para a agricultura familiar no país, que conta com 120 mil famílias acampadas, de acordo com dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Dessas, 72 mil são vinculadas ao movimento.

Em nota, o MST afirma que a decisão do governo federal representa uma conquista, mas destaca que ainda há um longo caminho para a reforma agrária.

“Compreendemos que essa é uma primeira e efetiva demonstração concreta de compromisso com nossa bandeira da Reforma Agrária, sendo necessário avançarmos com mais intensidade a partir de agora”, informa o comunicado.

A área pertencia à antiga usina Ariadnópolis, cujos proprietários decretaram falência em 1983, deixando os trabalhadores abandonados e sem direitos trabalhistas.

O território, ocupado há 27 anos por famílias que já sofreram 11 tentativas de despejo, foi contemplado por um dos decretos de desapropriação assinados por Lula durante o ato, e passa a ser um assentamento.

Os sete decretos de desapropriação assinados pelo presidente Lula envolvem três imóveis no Complexo Ariadnópolis: as fazendas Ariadnópolis (3.182 ha), Mata Caxambu (248 ha) e Potreiro (204 ha). Outras fazendas incluídas são: Santa Lúcia (5.694 ha), localizada no município de Pau-d’Arco (PA); Crixás (3.103 ha), em Formosa (GO); São Paulo (749 ha), em Barbosa Ferraz (PR); e Fazenda Cesa – Horto Florestal (125 ha), em Cruz Alta (RS).

No evento, Ceres Hadich, da Direção Nacional do MST, ressaltou a urgência da reforma agrária e a importância da luta pela terra no país. “Essa é a maior cicatriz aberta da nossa história”, disse.

Ato de conquista da terra contou com a participação massiva de trabalhadores do MST, autoridades e apoiadores da Reforma Agrária. Foto: Lucas Bois e Sara Gehren

Lula informou que as ações da reforma agrária estiveram paralisadas nos dois primeiros anos do seu terceiro mandato porque sua equipe trabalhou no levantamento das terras a serem distribuídas. O presidente reafirmou que o levantamento foi concluído e que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) precisa começar a disponibilizar as terras.

“Não tem porque o Estado ter terra pública. Quem é o Estado? É o povo, e a terra tem que estar na mão do povo para que ele possa produzir”, disse.

A reforma agrária em mandatos anteriores

Durante o primeiro governo Lula, entre 2003 e 2006, foram criados 1.705 assentamentos. No segundo mandato, de 2007 a 2010, foram 979.

No governo de Dilma Rousseff, de 2011 a 2014, foram realizados 455 assentamentos. A continuidade da política foi afetada pelo impeachment: foram 70 assentamentos nos anos de 2015 e 2016.

Sob Michel Temer, de 2016 a 2018, foram 66 assentamentos, e no governo de Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, apenas 18. Em 2023, o governo Lula criou apenas 10 assentamentos, número considerado insuficiente pelo movimento.

“Mesmo esses 10 assentamentos são irreais e não resultaram de desapropriações. São áreas que já estavam ocupadas havia 10 ou 15 anos. Não houve nenhuma novidade. Só houve uma legalização, que é boa, mas faz parte do modus operandi do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]”, criticou João Pedro Stedile, liderança do MST, em entrevista ao Brasil de Fato em dezembro de 2024.

Terra para a produção de alimentos

No evento em Campo do Meio, que contou com a presença de militantes do MST de diversas partes do país, os acampados montaram um grande painel com alimentos produzidos naquela terra.

Espigas de milho, bananas, abóboras, melancias, mandiocas, jacas e outros produtos formavam um mosaico onde se lia “reforma agrária”. O objetivo era destacar a variedade da produção da agricultura familiar no Quilombo Campo Grande.

Acampados do Quilombo Campo Grande (MG) produzem mais de 150 alimentos – Samirah Fakhouri/MST

“O mais importante da luta pra gente foi esse decreto, pra que a gente fique em paz no lote da gente”, celebrou o agricultor Rubens Leal Batista, que mora na área desde antes da ocupação e planta feijão, milho e hortaliças, além de cultivar árvores frutíferas nativas da região.

Batista é filho de ex-funcionários da usina e chegou a trabalhar na empresa. “A gente tá realizando nosso sonho que é ficar na roça, produzir o alimento saudável, sem agrotóxico. Isso é o mais importante na vida do trabalhador rural”.

Com a regularização da terra, os agricultores passam a ter acesso a linhas de crédito e a podem participar de cooperativas para distribuir a produção.

Durante o ato, Edjane Rodrigues Silva, secretária nacional de políticas nacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), citou dados do Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para ilustrar a concentração de terras no Brasil.

De acordo com Silva, as propriedades rurais com menos de 100 hectares ocupam apenas 2,29% do território nacional. Já as áreas acima de mil hectares correspondem a 47% de todo território nacional, embora representem apenas 1% das propriedades rurais do país.

“É isso que está errado nesse país, porque as propriedades que detêm até 100 hectares representam praticamente 70, 80% dos alimentos que consumimos no Brasil”, diz Lula, ressaltando a importância da agricultura familiar na produção de alimentos.

“Fome se enfrenta com reforma agrária e produção de comida. Crise ambiental se enfrenta com reforma agrária e plantio de árvores”, ressaltou Hadich.

Ações da presidência em favor da reforma agrária:

PORTARIAS — Uma Portaria Interministerial, assinada pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e da Fazenda, estabeleceu um limite de R$ 700 milhões para adjudicações (posse) a serem realizadas em 2025.

RESPEITO — Jorge Messias, Advogado-Geral da União (AGU), afirmou que o Governo Federal atuará para fazer valer o decreto presidencial e assegurar que os agricultores tenham, de fato, o direito à terra respeitado. “Estamos aqui para garantir que a lei seja cumprida, que a Constituição seja cumprida e que o direito que o presidente Lula está agora reconhecendo seja fielmente cumprido”, pontuou.

ASSENTAMENTOS — O MDA e o Incra também assinaram cinco portarias de criação de projetos de assentamento, envolvendo terras adquiridas para solução de conflitos e pagas com o orçamento de 2024, no total de R$ 383 milhões. Outras quatro portarias foram assinadas para a criação de assentamentos em terras públicas, com transferência de áreas da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para o Incra.

RETORNO — O presidente do Incra, César Aldrighi, reforçou o retorno positivo da autarquia na reforma agrária do país. “É com muito orgulho que a gente vem aqui falar no meio desse lugar que simboliza a resistência, a luta, o compromisso, e volta a assinar decretos de desapropriação depois de longos anos. Os decretos simbolizam a entrega de 138 assentamentos e inicia a reforma agrária depois de longos anos sombrios”, disse Aldrighi.

CRÉDITO INSTALAÇÃO — Para ampliar a destinação de recursos voltados ao desenvolvimento agrícola das famílias assentadas, o Governo Federal anunciou R$ 1,6 bilhão para Crédito Instalação em 2025, que podem ser aplicados em habitação, apoio inicial e fomento aos jovens e mulheres na reforma agrária. Estima-se que pelo menos 18 mil famílias serão beneficiadas com novas moradias.

PRONAF A — Outra autorização realizada no evento foi a segunda rodada do Pronaf A, com liberação de crédito de até R$ 50 mil — com 25% de rebate e juros entre 0,5% e 1,5% ao ano — além de R$ 48 milhões para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em 2025. Além disso, foram destinados R$ 900 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em que boa parte da produção será comprada de famílias assentadas de reforma agrária.

DESENROLA — A cerimônia também marcou a assinatura de contratos de renegociação de dívidas, por meio do Desenrola Rural, com assentados da reforma agrária. O Programa lançado em fevereiro permite o refinanciamento de débitos com descontos de até 96% para o público da reforma agrária.

TÍTULOS — Outros 243 títulos de terras do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) — totalizando R$ 53,7 milhões — e títulos de domínio foram entregues para dez famílias em assentamentos dos estados de Tocantins, Mato Grosso, Bahia, Pará e Acre, no âmbito do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). As escrituras entregues pelo PNCF, além de acesso a terra, viabilizam a inserção dos beneficiários em outras políticas públicas voltadas à geração de renda e produção, como o Pronaf, o PAA e o PNAE.

REPRESENTANTES — A dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ceres Hadich, ressaltou a urgência de enfrentar os problemas relacionados à luta pela terra e à reforma agrária no Brasil. “Essa é a maior cicatriz aberta da nossa história. São mais de 500 anos de violação e negação desse que é um direito humano essencial, o direito do acesso à terra, aos bens naturais, à vida em abundância e ao trabalho com dignidade”, afirmou.

RESISTÊNCIA — O representante estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Silvio Neto, destacou a resistência dos trabalhadores rurais do Quilombo Campo Grande, que enfrentaram múltiplos despejos. “O grande homenageado hoje tem que ser esse povo, que resistiu, e que essa resistência inspire todos os lutadores. A partir desse decreto vamos ampliar a nossa produção, seguir nos alimentando e alimentando a cidade”, disse.

ESFORÇO — Já a secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (CONTAG), Edjane Rodrigues, reconheceu o esforço do Governo Federal para a reforma agrária. “É a agricultura familiar que vai acabar com a fome no Brasil, com preços justos tanto para quem vende quanto para quem compra”, afirmou.

PRODUÇÃO — Representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (CONTRAF), Josana Lima enfatizou que a produção de alimentos no Brasil é feita, em grande parte, por meio dos agricultores familiares. “São os agricultores que garantem a comida de qualidade na mesa dos brasileiros. Hoje é um dia de celebração e de reafirmação do compromisso histórico que temos com a luta da reforma agrária nesse país, pela produção de alimentos saudáveis e pelo fortalecimento da agricultura familiar”, disse Josana.

QUILOMBO CAMPO GRANDE — O Complexo Ariadnópolis era parte da massa falida da Usina Ariadnópolis, que encerrou as atividades em 1996 com dívidas e sem pagar direitos trabalhistas. Em 1998, ex-funcionários ocuparam a terra e fundaram o Quilombo Campo Grande, formado por 11 acampamentos e mais de 450 famílias, cada uma com cerca de 8 hectares. A comunidade produz e comercializa mais de 160 alimentos, incluindo mandioca, feijão, hortaliças, milho e café. O café, cultivado em mais de 2,2 milhões de pés e vendido sob a marca Guaií, tornou-se uma referência nacional em qualidade.

07.03.2025 - Cerimônia de entregas e anúncios para a reforma agrária

Com BDF, MST e Agência Gov – Fotos: Ricardo Stuckert/PR, Foto: Lucas Bois, Sara Gehren e Samirah Fakhouri/MST

 

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