Nos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, o livo, “A vitória: como a União Soviética salvou a civilização do capitalismo totalitário”, do historiador Paulo Fagundes Visentini, resgata o papel decisivo da URSS na derrota do nazismo, o capitalismo em sua forma totalitária, como define o autor.
Em 9 de maio de 1945, há exatos 74 anos, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) anunciava a vitória sobre o Exército nazista, dando fim à Segunda Guerra Mundial — chamada pelos soviéticos de “Grande Guerra Patriótica”. A data é conhecida na Rússia como “Dia da Vitória”.
A rendição sem condições da Alemanha havia sido assinada na madrugada do dia 7 de maio pelo general Alfred Jodl. O militar seria, mais tarde, condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Do lado vencedor, a ata de capitulação foi assinada pelo general Walter Bedell-Smith, chefe do Estado Maior do general estadunidense Dwight Eisenhower, e pelo general soviético Ivan Suslaparov. François Sevez, adjunto do general francês Alphonse Pierre Juin, também assinou o documento na condição de testemunha.
O fim da guerra ocorreu após a Batalha de Berlim, último capítulo da ofensiva soviética contra as forças alemãs. A batalha teve início em abril, com a arremetida aos países ocupados pelos nazistas, e depois se deslocou até a capital alemã.
Em 30 de abril, na reta final do confronto, o líder nazista Adolf Hitler se suicidou. Pouco depois, Berlim se entregava, encaminhando a rendição que aconteceria no dia 7.
noroeste da Europa.
Embora o fim da guerra tenha sido confirmado em sete de maio, os aliados haviam concordado que a comemoração deveria acontecer somente no dia 9. Jornalistas ocidentais lançaram a notícia da rendição mais cedo que o acordado, precipitando as comemorações. Já a URSS manteve a celebração na data combinada.
O 9 de maio se tornou feriado e é comemorado anualmente na Rússia com desfiles militares e homenagem aos mortos. Segundo um levantamento feito em 2015, o Dia da Vitória é a data mais lembrada pelos russos, à frente da Revolução Russa de 1917 e do primeiro voo espacial de Yuri Gagárin.
Ocidente tenta apagar vitória da URSS
O 9 de maio ficou conhecido, desde então, como “Dia da Vitória.” Mas, agora, o acontecimento tem sido um dos nós da guerra de narrativas que apontam para um crescente revisionismo histórico no contexto da crise de democracias ao redor do mundo.
Para Paulo Fagundes Visentini,que também é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) há uma revisão da narrativa construída em torno do acontecimento histórico, com inversões de papeis e distorções graves.
Visentini acredita que esse revisionismo não é só da União Europeia, mas do mundo inteiro. “Quem for [para as comemorações oficiais do Dia da Vitória em Moscou] perde muito. E esse processo começou antes da Guerra da Ucrânia, antes da pandemia. Já tínhamos remoção de monumentos, por exemplo. Estão tentando aproveitar a ocasião para apenas acelerar um processo que já está em marcha”, disse em entrevista ao Opera Mundi.
Boicotes ao heróis da guerra
Nos últimos anos, países da Europa Oriental têm discutido a remoção de monumentos relacionados à Segunda Guerra Mundial. Em Riga, na Letônia, por exemplo, o Monumento da Vitória foi desmontado, gerando controvérsia entre as comunidades locais. Na Estônia, um tanque do antigo regime foi retirado e levado a um museu, enquanto na Bulgária, um marco arquitetônico também de teor histórico continua no centro de debates públicos.
No livro sobre o Dia da Vitória, o autor chama a atenção para a gravidade desses acontecimentos. Nele, Visentini alerta que “autoridades, escritores e políticos ultraconservadores estadunidenses, acadêmicos ingleses politicamente conectados, governos europeus e movimentos ultranacionalistas do Leste Europeu estão negando à Rússia soviética qualquer relevância histórica na vitória aliada, mesmo ela tendo sofrido a metade das mortes no conflito.”
Em abril passado, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, estimulou líderes europeus a boicotarem o evento do Dia da Vitória em Moscou, no que seria um gesto de solidariedade à Ucrânia. Porém, Visentini aponta que, atualmente, o atual mandatário do país, Volodymyr Zelensky, tem ficado refém de partidos de extrema direita, que mantêm milícias armadas ativas.
“Essas organizações têm seus sites, suas bandeiras copiadas das divisões SS [organização paramilitar do regime nazista] da Segunda Guerra Mundial. Há um silêncio por parte da União Europeia e de outras democracias no mundo quanto a isso, o que é muito preocupante”.
Avanço da extrema direita
A postura do bloco europeu, no entanto, é só a ponta do iceberg, segundo o professor universitário. Há um descontentamento com a sociedade do consumo, em que movimentos anti-sistema não encontram canais de diálogo efetivo com instituições.
Para Visentini, entender a profundidade do problema é importante, pois, segundo ele, aqueles que embarcam na revisão “não são, necessariamente, neonazistas; há um avanço muito grande dessas forças de direita no mundo.”
O autor do livro sobre o Dia da Vitória acredita que apesar dessas novas condenações e classificações, as ideias autoritárias e ultraconservadoras continuam a se movimentar no seio da sociedade. Ele ainda avalia que a eleição de Donald Trump para a Casa Branca representa um alerta de ainda maior gravidade à comunidade internacional.
Isso porque a própria reeleição em si do mandatário estadunidense e o início da guerra tarifária por ele levada a cabo, sobretudo, dão sinais claros de ruptura da posição dos Estados Unidos como protetor da Europa – o que está solidificado, justamente, desde o final da Segunda Guerra Mundial.
“Em uma série de países está havendo um apagamento da memória […] eu acho que com a chegada de Trump, isso piorou ainda mais porque o seu protetor, de repente, se tornou o seu algoz”, avaliou o pesquisador.
Diplomacia brasileira
Na contramão, contudo, da tendência de líderes europeus, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta sexta-feira (09/05) das comemorações oficiais do Dia da Vitória, em Moscou. A viagem acontece ao país antes da chegada do presidente à China, prevista segunda-feira (12/05) . O país asiático tem sido o principal alvo dos EUA na atual guerra tarifária.
Paulo Visentini avalia que a ida de Lula a Moscou representa algo que tem sido a tônica da política externa em muitos momentos do atual mandato, isto é, a adoção do que seria uma política compensatória.
Isso se deve ao fato da gestão anterior, de Jair Bolsonaro, ter significado um ponto fora da curva na tradição diplomática brasileira. A mudança de comportamento do país gerou a necessidade, neste momento, de maior investimento na boa relação com parceiros estratégicos no plano geopolítico, uma vez que a Rússia é integrante do BRICS – bloco econômico fundado em 2006 e composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Nem Biden, nem Trump apoiam o BRICS. Pelo contrário, veem o grupo como uma mudança desfavorável no plano internacional. O Brasil foi, entre o BRICS, o que menos apoiou a Rússia [na gestão Bolsonaro]. Então, Lula faz um gesto compensatório neste momento. É algo medido, tanto como gesto simbólico quanto tentativa de criar alternativas para a economia no plano internacional”, disse.
Além das motivações mencionadas por Visentini, o Brasil guarda também uma relação de caráter histórico com a efeméride. O país enviou para a Segunda Guerra cerca de 25 mil soldados para lutarem ao lado dos Aliados – países que se opunham à Alemanha nazista. O esforço militar ocorreu depois do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo e ataques a navios brasileiros no Atlântico. Desde o fim do conflito, o Dia da Vitória é comemorado oficialmente no 8 de maio em solo brasileiro.
O Dia da Vitória
A derrota do Exército nazista ceifou cerca de 27 milhões de vidas de cidadãos soviéticos – a nação que perdeu o maior número de combatentes no conflito. A data tornou-se oficial em 1965 e, desde então, tem sido tratada por diferentes governos da Rússia como orgulho nacional.
O evento é composto por grandes celebrações públicas que incluem desfiles militares, cerimônias oficiais e homenagens aos veteranos de guerra. O principal evento ocorre na Praça Vermelha, em Moscou, onde tanques, tropas e aeronaves desfilam diante das autoridades do governo russo e convidados internacionais.
Embora o Dia da Vitória seja uma data importante na Rússia, ela também é celebrada em outros países, mas com diferentes enfoques. A diferença de datas se deve, sobretudo, ao referencial adotado por distintos fusos horários no momento exato da rendição do Exército alemão. Enquanto a Rússia a celebra no dia 9 de maio, outros países da Europa Ocidental o fazem no dia anterior.
Com informações do Bdf e Opera Mundi