Iris, o evangélico: Legado de tolerância religiosa e respeito ao Estado Laico e as diferenças políticas

Iris, o evangélico: Legado de tolerância religiosa e respeito ao Estado Laico e as diferenças políticas

Durante seus mandatos como governador e como prefeito, Iris teve boa convivência com Lula, com católicos, espíritas, praticantes de religiões afro-brasileiras e jamais usou da fé para radicalismos

Marcus Vinícius de Faria Felipe

Iris Rezende Machado era “terrivelmente evangélico”, como está em moda dizer. Foi criado na fé pentecostal desde a mais tenra idade em Cristianópolis. E foi ainda muito novo, nos idos da década de 1949 do século passado, que ele presencial um dos mais terríveis conflitos religiosos envolvendo evangélicos e católicos: a disputa de terras entre Cristianópolis e Aureliópolis, conhecido como “Patrimônio (Distrito) da Pirraça”.

“Igreja da Pirraça”, na extinta Aureliópolis, na divisa com o município de Cristianópolis, onde católicos foram expulsos por intolerância religiosa

Evangélicos expulsaram católicos

Naquela época a disputa de terras e a rivalidade entre católicos e evangélicos eram grandes, daí o nome ‘Pirraça’. Enquanto a cidadezinha de Cristianópolis crescia a 6km dali em torno da Igreja Cristã Evangélica, o povoado de Aureliópolis se formou ao redor do templo católico.

Segundo o livro: “Protestantismo vs. Catolicismo: “O Conflito religioso em Goiás e a fundação da cidade de Cristianópolis”, do historiador Robson Rodrigues Gomes Filho e da historiadora Joelma Eliz Alves Xavier, ambos da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Aureliópolis chegou a ter cerca de 60 casas, uma vendinha e um cemitério, mas a briga religiosa expulsou as pessoas do local, devido ao grande número de católicos assassinatos. O povoado acabou. Sobraram apenas o cemitério abandonado e os restos da igreja. As imagens dos santos que davam nome à capela (São Sebastião e Santa Terezinha) foram recuperadas e doadas para munícipes da região. O sino foi entregue para a a comunidade católica de Bela Vista de Goiás, mesmo município onde está situada a igreja.

Pragmatismo político

Iris presenciou de perto esta tragédia provocada pelo fanatismo religioso, e desde que se lançou às lides políticas nunca negou sua fé, mas também jamais atacou a fé dos outros. Esta postura ecumenista na vida pública se tornaria uma de suas marcas registradas. Sem negar sua religião, Iris foi prefeito, depois governador e exerceu estes cargos governando de maneira laica, ou seja, não transportou para o Executivo as questões religiosas.

À frente do Governo do Estado em duas oportunidades (1983-1986, 1991-1994) e na prefeitura de Goiânia em quatro (1965-1969, 2005-2008, 2009-2010 e 2017-2020), Iris Rezende Machado não fez discriminação religiosa na hora de escolher secretários e auxiliares diretos.

Como politico de centro, Iris fez alianças à esquerda, quando esta era uma situação que lhe favorecia eleitoralmente, e também com a direita, quando se fez necessário.

Em 1982, quando foi eleito governador pela primeira vez teve apoio direto dos comunistas do PCB, do radialista e vereador Paulo Villar e do PC do B, dos deputados Tarzan de Castro e Aldo Arantes e da líder estudantil Denise Carvalho.

Em 2008 recebeu apoio do PT à sua reeleição, que se deu no primeiro turno com cerca de 74% dos votos.

Iris e Lula em Goiânia em 2010, durante entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida

Iris teve convivência profícua e respeitosa com o presidente Lula (2003-2010), pois exerceu a prefeitura de Goiânia no período em que Lula era presidente. Quando se lançou candidato ao governo de Goiás em 2010, Iris recebeu o apoio de Lula no seu palanque, num grande comício realizado no Jardim Curitiba, onde Dilma Roussef (PT) foi apresentada como candidata a presidente.

Em nota sobre o seu falecimento, o ex-presidente Lula falou sobre o legado do líder político de Goiás:

“Iris foi exemplo de carreira política digna, defendendo a democracia e o desenvolvimento do Brasil”, diz o petista. “Teve uma das mais longas trajetórias na vida pública da nossa história, atravessando 60 anos como vereador, prefeito, deputado, senador, ministro e governador. Deixa um legado em Goiânia, em Goiás e no nosso país que supera as divisões políticas”, disse Lula.

“Tive o prazer de ser seu amigo e compartilharmos encontros, conversas e projetos para melhorar a vida do povo do seu estado. A sua esposa Iris, aos familiares, amigos, companheiros e admiradores de Iris Rezende, meus sentimentos e solidariedade”, completou.

Iris Rezende ao lado de Ronaldo Caiado e Andrey Azeredo, na missa de encerramento da Romaria de Trindade

Respeito e tolerância

Como governador ou prefeito de Goiânia, Iris Rezende jamais deixou de frequentar os templos evangélicos e nunca perdeu uma missa de encerramento das romarias de Trindade e do Muquém, no Norte do Estado. Nos seus governos foi feita ligação asfáltica até Cavalcante, e foi dado início a regularização fundiária da comunidade kalunga, concluída no governo de seu sucessor, Maguito Vilela (1995-1998). Na prefeitura, incentivou o Festival de Congada e o Festival de Folia de Reis, como parte do calendário cultural e religioso da Capital.

É por este respeito e pragmatismo que Iris Rezende Machado será sempre lembrado como um político amplo, fiel ao seu partido (MDB), que colocou sua fé e seus ideais à serviço dos interesses do Estado Laico.

Os episódios da “Guerra da Pirraça” contribuíram para a formação de seu caráter pacífico e conciliador. Iris na sua vida honrou os ensinamentos de Jesus professados no Sermão da Montanha:

– Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

–  Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão a Misericórdia.

– Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a face e Deus.

O legado de Iris é mais que necessário neste segundo turno dominado por aqueles que confundem política com religião e insuflam fiéis ao fanatismo ao invés de incentivar o perdão e a concórdia, como ensinou Cristo, o Filho de Deus.