G-20: Lula cobra redução na jornada de trabalho e imposto para super-ricos

Em discurso no encerramento do G20 Social, no início da tarde deste sábado (16), o presidente brasileiro defende participação social nas grandes decisões que afetam o planeta

Isaías Dalle | Agência Gov
Lula no G20 Social: 'Economia e política não são monopólio de especialistas e burocratas'
Ricardo Stuckert/PR Lula exibe o documento oficial do G20 Social: “Vocês estão fazendo a abertura de uma luta”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no encerramento do G20 Social, que reuniu desde a última quinta-feira representantes de movimentos sociais e organizações não-governamentais no Rio de Janeiro. O G20 Social é uma criação do Brasil, que ocupa a presidência rotativa do grupo, e foi uma iniciativa do próprio Lula.

A taxação dos super ricos é citada na declaração como caminho para financiar políticas sociais e ambientais. Para o Observatório do Clima, rede que reúne diferentes entidades ambientalistas da sociedade civil brasileira, este é um debate central.

“Os países do G20 são responsáveis por cerca de 80% das emissões dos gases de efeito estufa e concentram 80% da riqueza do mundo. Nenhum país pode alegar falta de recursos para financiamento climático se não taxar seus bilionários de forma justa. A taxação progressiva sobre os super-ricos é um passo crucial para financiar a adaptação à mudança do clima e a transição energética justa”, registra manifestação do Observatório do Clima.

A discussão da taxação dos super ricos tem sido uma das prioridades assumidas pelo governo brasileiro. Em julho, a Trilha de Finanças, um dos grupos de discussão do G20, aprovou sua declaração final com menções ao tema. O Brasil defende que seja pactuada a adoção de um imposto mínimo sobre os super ricos, de forma a evitar uma guerra fiscal entre os países. No entanto, há resistências. Representantes dos Estados Unidos, por exemplo, têm defendido que cabe a cada governo tratar da questão internamente.

Rio de Janeiro (RJ), 15/11/2024 – Público assiste plenária que discute Combate à fome, pobreza e desigualdades, no G20 Social no Boulevard Olímpico na zona portuária da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Público assiste plenária que discute Combate à fome, pobreza e desigualdades, no G20 Social no Boulevard Olímpico na zona portuária da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A pauta é considerada legítima e urgente por Elisabetta Recine, coordenadora de relações internacionais da Rede Penssan, que reúne pesquisadores no tema da segurança alimentar e nutricional. Para ela, levar o tema para o conjunto de países do G20 é um movimento importante. Em sua visão, a taxação dos super ricos é uma agenda que articula as demandas por justiça climática, por justiça alimentar e por justiça fiscal e tributária.

“Não dá mais para nós convivermos com situações em que as grandes fortunas têm uma série de instrumentos em que elas não pagam nenhum ou muito pouco imposto em relação ao seu padrão de consumo e aos seus bens e seus ganhos. É absolutamente vergonhoso que a gente conviva com uma situação dessa, em que proporcionalmente um trabalhador tenha uma carga tributária muito maior do que uma grande fortuna”, avalia Recine, que é também presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão colegiado composto por representantes da sociedade civil e do governo brasileiro que presta assessoramento à Presidência da República.

“Mesmo que o G20 não banque essa decisão, nós temos a responsabilidade e a urgência no Brasil de fazer decisões em relação a esse processo”, defende ela. Justamente para cobrar mais ambição no financiamento de ações sociais e ambientais, o Observatório do Clima está convocando um protesto para a manhã de segunda-feira (18), no Rio de Janeiro. Prevista para se iniciar às 8h no Posto 11 da Praia do Leblon, a iniciativa se conecta com a campanha “Taxa os Bi”, uma estratégia de pressão on-line para pressionar os líderes do G20 pela taxação de bilionários e destinação dos recursos para combater a fome e a pobreza, fazer a transição energética justa e proteger as populações de eventos climáticos extremos.

Fórum Social

Antes de iniciar a leitura do texto, o presidente brasileiro disse ter tido a ideia do G20 Social há bastante tempo, mas que só pôde consolidá-la neste ano, e que tem esperança de que a África do Sul, próximo país a ocupar a presidência do bloco, repita a experiência na próxima cúpula de líderes.

Após a leitura do texto, Lula falou de improviso, e afirmou que o G20 Social não deve se encerrar neste sábado, mas ser levado como tarefa por todos os participantes e as entidades que representam, até que as propostas sejam implementadas. O presidente comparou o encontro com as edições do antigo Fórum Social Mundial.

“O Fórum Social Mundial teve um problema. A gente discutia muito, mas ia embora para casa sem saber o que fazer no dia seguinte. Até que aquilo cansou”, disse. “Mas esse fórum social do G20 não pode parar aqui. Vocês não estão fazendo um encerramento. Vocês estão fazendo a abertura de uma luta que vão ter de dar sequência 365 dias por ano. Isso é apenas o começo”.

Lula também recordou que uma de suas primeiras atividades públicas após deixar a cela da Polícia Federal em Curitiba, encerrando pena de mais de 580 dias, foi visitar o papa Francisco, para dar início a um movimento de combate às desigualdades sociais no planeta, com o objetivo de resgatar o que chamou de “pessoas invisíveis” e que só “aparecem nas estatísticas”.

Lula voltou a destacar, como tem feito em diferentes encontros – a exemplo de seu discurso na abertura da Conferência da ONU, em 24 de setembro – que os países têm gastado muito mais em guerra do que em alimentos para as pessoas.

“O G20 tem de acontecer todo o santo dia. Porque são 733 milhões de pessoas que vão dormir toda a noite sem ter o que comer. O mundo gastou no último ano 2 trilhões e quatrocentos bilhões de dólares em armamento, e não gastou quase nada para dar comida para as pessoas que precisam tomar café de manhã, almoçar e jantar”, disse.


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Governo e povo juntos. Foto: equipe do G20 Social


Reforçando a defesa da participação social na disputa por um novo mundo, Lula exortou os presentes:

“Gritem. Protestem. Reivindiquem. Se não, as coisas não acontecem”. Assim, traduziu o que havia dito no discurso preparado para a ocasião: “A economia e a política internacional não são monopólio de especialistas e nem de burocratas. Elas {a economia e a política} não estão só nos escritórios da Bolsa de Nova York ou da de São Paulo, nem só nos gabinetes de Washington, Pequim, Bruxelas ou Brasília. Elas fazem parte do dia a dia de cada um de nós, alargando ou estreitando as nossas possibilidades”.


Leia abaixo o discurso preparado e confira aqui o trecho improvisado (13 min)


“Este é um momento histórico para mim e um momento histórico para o G20.

Ao longo deste ano, o grupo ganhou um terceiro pilar, que se somou aos pilares político e financeiro: o pilar social, construído por vocês.

Aqui tomam forma a expressão e a vontade coletiva, motivadas pela busca de um mundo mais democrático, justo e diverso.

De forma inédita, os grupos de engajamento puderam interagir com os chanceleres e com os ministros das Finanças e presidentes de Bancos Centrais das maiores economias do planeta.

Tive a satisfação de dialogar pessoalmente com os representantes de cada grupo.

Nos últimos dias, pela primeira vez na trajetória do G20, a sociedade civil de várias partes do mundo, em suas mais diversas formas de organização, se reuniu para formular e apresentar suas demandas à Cúpula de Líderes.

Nos dezesseis anos desde a primeira Cúpula, o G20 se consolidou como o principal fórum de cooperação econômica mundial e como importante espaço de concertação política.


Assista a cerimônia de encerramento


Mas a economia e a política internacional não são monopólio de especialistas e nem de burocratas.

Elas não estão só nos escritórios da Bolsa de Nova York ou da de São Paulo, nem só nos gabinetes de Washington, Pequim, Bruxelas ou Brasília.

Elas fazem parte do dia a dia de cada um de nós, alargando ou estreitando as nossas possibilidades.

Os membros do G20 têm o poder e a responsabilidade de fazer a diferença para muita gente.

Para as mulheres, ao fomentarem o empreendedorismo e a autonomia econômica feminina, como fez o Grupo de Trabalho sobre Empoderamento.

Para os povos tradicionais e indígenas, ao promoverem os produtos da biodiversidade, como fez a Iniciativa sobre a Bioeconomia.

Para os afrodescendentes, ao adotarem o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 18 sobre igualdade racial, como fez o Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento.

Para o planeta, ao incentivarem a ambição climática em linha com o objetivo de limitar o aquecimento global a um grau e meio, como fez a Força-Tarefa do Clima.

Nada disso teria sido possível sem a contribuição de todos vocês que estão aqui hoje.

A presidência brasileira não teria avançado nas três prioridades que escolheu se não fosse a participação decisiva das organizações e movimentos que integram o G20 Social.

A mobilização permanente de vocês será fundamental:

• para impulsionar os trabalhos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e avançar na tributação dos super-ricos;

• para garantir o cumprimento das metas de triplicar o uso de energias renováveis e antecipar a neutralidade de emissões;

• e para levar adiante nosso Chamado à Ação pela Reforma da Governança Global, assegurando instituições multilaterais mais representativas.

A presidência brasileira do G20 deixará um legado robusto de realizações, mas ainda há muito por fazer para melhorar a vida das pessoas.

Para chegar ao coração dos cidadãos comuns, os Governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a “voz dos mercados” e a “voz das ruas”.

O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.

O G20 precisa discutir uma série de medidas para reduzir o custo de vida e promover jornadas de trabalho mais equilibradas.

Precisa ouvir a juventude, que enfrentará as consequências das tarefas que deixarmos inacabadas.

Precisa preservar o espaço público, para que o extremismo não gere retrocessos nem ameace direitos.

Precisa se comprometer com a paz, para que rivalidades geopolíticas e conflitos não nos desviem do caminho do desenvolvimento sustentável.

Vou levar as recomendações contidas na declaração final que vocês me entregaram aos demais líderes do G20 e trabalhar com a África do Sul para que elas sejam consideradas nas discussões do grupo.

Espero que esse pilar social do G20 continue nos próximos anos, abrindo cada vez mais nossas discussões para o engajamento da cidadania.

Essa cerimônia de encerramento marca o começo de uma nova etapa, que exigirá um trabalho contínuo durante os 365 dias do ano e não só às vésperas das reuniões de líderes.

Também conto com a força de vontade e o dinamismo da sociedade civil para dois outros eventos que o Brasil sediará no próximo ano: a Cúpula do BRICS e a COP 30.

Nós vamos seguir construindo, juntos, um mundo justo e um planeta sustentável.

Muito obrigado.”

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