“O mercado do vício precisa ser contido”. Assim reagiu a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, diante dos dados alarmantes divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), confirmando os impactos negativos, na economia do país e no orçamento das famílias, dos jogos de apostas online sem regulação. O levantamento mostrou que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes no primeiro semestre de 2024 devido a apostas em cassinos online, boa parte utilizando o cartão de crédito de forma descontrolada.
De junho de 2023 a junho de 2024, os brasileiros já gastaram R$ 68 bilhões em jogos, o que corresponde a 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. As perdas decorrentes das apostas somam em torno de R$ 24 bilhões.
Diante desse cenário, a CNC revisou para baixo a projeção de crescimento do setor varejista em 2024, de 2,2% para 2,1%. A queda é reflexo do impacto negativo decorrente do aumento desenfreado das apostas on-line, que tem comprometido a renda das famílias ao destinar, para jogos de azar, orçamento que seria para compras de alimentos, produtos de higiene pessoal, vestuário etc.
Outra grave consequência das bets sem regulação é que o setor varejista pode ter perda de até R$ 117 bilhões em seu faturamento anual, o que significa redução de até 11,2%, apontou a CNC.
“O crescimento do volume de apostas está diretamente ligado à perda de poder de compra das famílias, o que afeta toda a economia e o desenvolvimento do país”, alertou o vice-presidente financeiro da CNC, Leandro Domingos Teixeira Pinto em publicação do site Portal do Comércio.
A pesquisa da CNC trouxe mais dados alarmantes. Cerca de 22% da renda disponível das famílias brasileiras foi consumida em apostas no último ano, o que gera o aumento da inadimplência. Na avaliação do economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, as consequências econômicas e sociais do jogo sem controle afeta especialmente as classes mais vulneráveis. Muitos são beneficiários de programas sociais e chefes de família.
“Isso pode agravar ainda mais o ciclo de pobreza e desigualdade, já que muitos estão utilizando recursos essenciais para apostar”, reforça Tavares, ao afirmar que o público jovem e de baixa renda é o mais impactado.”
As apostas, que inicialmente parecem uma forma de entretenimento, acabam comprometendo uma parte considerável do orçamento, resultando na inadimplência e na redução do consumo de bens essenciais”, afirmou o economista ao Portal do Comércio.
Defesa irresponsável das bets
Em suas redes, Gleisi fez duras críticas ao artigo do presidente da Abert publicado no jornal O Globo defendendo a publicidade das bets em rádios e tvs.
“O Globo publica artigo de presidente da Abert defendendo publicidade de bets em rádio e TV. Interesse financeiro próprio, na contramão dos riscos de vício, inclusive infantil, e endividamento que o mercado de apostas provoca. Jogo tem de ser tratado como álcool e fumo, sem incentivo nem propaganda”, escreveu.
Para por um fim à farra das bets, Gleisi apresentou o projeto de lei 3524/2024 proibindo publicidade e marketing de casas de apostas online. Elas foram legalizadas em 2018 e, desde então, praticam publicidade ostensiva nas mídias digitais, rádios e tvs. Por isso, seu crescimento é exponencial, como também os lucros de quem comanda as plataformas e os prejuízos e ruína pessoal e famílias dos jogadores.
“A nosso ver, a vedação das ações de comunicação, publicidade e marketing relacionadas às loterias de apostas de quota fixa é essencial para reduzir a exposição da população a conteúdos que podem induzir ao comportamento de risco”, explicou Gleisi na justificativa do projeto de lei que quer neutralizar os efeitos do jogo compulsivo, com consumo consciente e socialmente responsável.
O projeto de lei prevê ainda a limitação de promoções que incentivem novas apostas por meio de bônus e vantagens, gerando ambiente seguro e responsável, e responsabilizar as plataformas de internet e provedores de conexão. Eles ficarão passíveis da exigência de bloqueio e remoção de conteúdos relacionados à publicidade de apostas, após notificação das autoridades.
Classificada como ‘pandemia’ pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a explosão de brasileiros viciados em jogos de azar nas plataformas online levou o governo a adotar medidas para “colocar ordem” na questão. Uma delas é a ação coordenada entre os ministérios da Fazenda e da Saúde, pois a dependência em jogos se mostra fortemente como um problema de saúde pública.
“Nós temos que começar a enfrentar essa questão de dependência psicológica dos jogos. Como começamos a regularização, nós vamos iniciar, depois dos quatro anos em que ninguém fez nada, desde 2018, quando foi legalizado o jogo eletrônico no Brasil, porque estamos vendo a necessidade premente de colocar ordem nisso, e de nos associarmos ao Ministério da Saúde – há muitos relatos de problemas de saúde, de dependência, que nos têm chegado – para criar as condições para que a gente possa dar amparo às famílias”, disse Haddad.