Pesquisadora da UFBA detalha como desinformação ligou PCC ao PT atraiu atenção e mobilizou pesquisas
Por Nina Santos, da Agência Publica
O que vimos no primeiro turno das eleições de 2022 foi um processo de disseminação de fake news em quatro etapas. Ele começou com a criação ou a rememoração de histórias desinformativas que têm como base conhecimentos e crenças que já circulam na sociedade. Isso é um dos pré-requisitos para que uma fake news tenha aderência na sociedade.
Quatro etapas da desinformação
Uma vez que essas narrativas mentirosas – porém muitas vezes factíveis – são criadas, começa-se a segunda etapa, a de difusão desses discursos, através de uma miríade de diferentes fontes de informação, muitas vezes com visibilidade limitada. Esse segundo passo acabou por criar um certo clima de tranquilidade durante a maior parte da campanha, uma impressão de que não havia um grande problema de desinformação acontecendo.
O terceiro ponto, contudo, consiste em aproveitar um momento oportuno. Em 2022, esse momento foi claramente a véspera das eleições, quando já não havia programa de televisão ou comícios. É nessa oportunidade que aconteceram as estratégias mais agressivas, rápidas e massivas de disseminação de fake news, se aproveitando do terreno que havia sido preparado antes e conseguindo das outras amplitude ao fenômeno.
Narrativa desinformativa na véspera do pleito
Analisando a dinâmica de comunicação nas redes digitais através de levantamentos do Netlab, o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ, e da consultoria Novelo Data, fica claro que a movimentação de desinformação mudou fortemente o padrão nas 48h que antecederam o primeiro turno.
Dois casos deixam isso muito claro. O primeiro é de um suposto áudio em que Marcola declararia voto em Lula. Às 18h45 da véspera do 1º turno, o Antagonista publicou uma matéria sobre esse suposto áudio. Embora o teor da conversa não afirme isso, o site Antagonista divulgou o áudio sob a manchete: “Exclusivo: em interceptação telefônica da PF, Marcola declara voto em Lula”. Foi seguido pelo YouTube do Pingo nos Is, da Jovem Pan, que publicou um vídeo às 20h30.
Vídeo associando Lula ao PCC
Em reação, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que a reportagem fosse retirada do ar do site e também de canais bolsonaristas e das redes da Jovem Pan, além de redes sociais dos parlamentares Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Paulo Eduardo Martins (PL-PR), com penalidade de multa de R$ 100 mil por dia.
Segundo dados do NetLab, 21 minutos depois de postado, o vídeo do Pingo nos Is já era o primeiro na recomendação do YouTube para usuários anônimos.
Só no dia seguinte, em plena votação, o TSE pediu a remoção. Mas apenas os vídeos postados no canal do YouTube da Jovem Pan tinham 1,7 milhão de visualizações antes de sair do ar. Ao mesmo tempo, a busca pelo termo “Marcola” no Google teve um grande pico. Entre os termos mais relacionados a essa busca, segundo o Google Trends, estavam as palavras “voto”, “votação” e “Lula”.
Pico de busca do termo “Marcola” no Google
Isso mostra que houve um aumento de interesse no assunto.
O segundo caso, no mínimo curioso, se deu no próprio Google. Ao buscar pelos termos “Lula” ou “Bolsonaro” às 15h34 da véspera da eleição, o primeiro resultado era uma pesquisa da Brasmarket, que mostrava Bolsonaro à frente no pleito. O resultado do primeiro turno foi radicalmente diferente do que apontava a pesquisa.
Essa matéria permaneceu entre os dois primeiros resultados de busca pelo menos até a meia-noite do sábado. Justamente um período em que as buscas pelos nomes dos dois principais candidatos tiveram um esperado pico, segundo o Google Trends.
Busca pelo termo “Lula” e “Bolsonaro”
Essa análise passo a passo revela algumas coisas.
Primeiro, houve uma mudança no padrão da circulação informativa nas 48h que antecederam o 1º turno. É de se imaginar que isso tenha gerado um impacto na decisão de voto, ainda que essa quantificação seja quase impossível de ser feita.
Segundo, essa mudança de padrão não é fruto do acaso e sim de uma estratégia muito bem-feita que usa a desinformação como arma política.
Infelizmente os processos judiciais ainda são lentos para a velocidade da rede.
Por outro lado, as plataformas continuam despreparadas para esses movimentos rápidos e feitos em momentos estratégicos. Não há um esquema de monitoramento constante montado para esses momentos especialmente críticos para o país. Isso torna todas as ações e respostas extremamente lentas e burocráticas, o que em termos de comunicação digital significa uma catástrofe.
Infelizmente esse cenário não desapareceu depois do primeiro turno. Pelo contrário, se intensificou na primeira semana de campanha para o segundo turno, como revelou reportagem da Agência Pública. Portanto, mais do que nunca é necessário pautar a questão da desinformação e entender que, com um fenômeno dessa dimensão, não é possível falar em democracia plena.
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