Campanha da Legalidade, criada por Leonel Brizola e Mauro Borges, foi alvo de espionagem da CIA

Arquivos  do Caso Kennedy, recém-divulgados pelo governo dos Estados Unidos –  a pedido do presidente Donald Trump –  indicam que Leonel Brizola foi um dos principais alvos de monitoramento da CIA no Brasil durante o período da Guerra Fria.

Chama a atenção um dos relatórios dos arapongas ianques sobre atuação de Brizola  em favor da posse constitucional do presidente João Goulart durante a chamada “Campanha da Legalidade”. O movimento foi acompanhado com atenção pelos serviços de inteligência norte-americanos. A mobilização liderada por Brizola, a época governador do Rio Grande do Sul e que teve apoio do governador de Goiás, Mauro Borges, para garantir plenos poderes a João  Goulart foi considerada uma demonstração de força política e resistência à influência externa.

 

Renúncia de Jânio e viagem de Jango à China

Jango, como era conhecido o vice-presidente João Goulart, estava de viagem para a China quando o presidente Jânio Quadros renunciou. A viagem do vice Goulart em 1961  à República Popular da China, à União Soviética e a outros países do Oriente, foi apoiada pelo presidente Quadros, que defendia a época  a aproximação com os chineses traria benefícios econômicos aos brasileiros. Mas Jânio tinha outro plano: renunciar à presidência da República com o vice longe do país, e retornar à presidência da República com forte apoio popular e o fechamento do Congresso Nacional. Nada disso deu certo.

A viagem foi definida em 5 de julho, quando Câmara de Deputados autorizou a presença do vice-presidente na delegação econômica ao Leste Europeu e Oriente. O convite para visitar a China teria sido feito ao próprio Jango, que, precavido, pediu que a autorização para a sua viagem fosse transmitida por escrito. O que acabou acontecendo, com um comunicado neste sentido endereçado ao Itamaraty.

Na madrugada do dia 26 de agosto, quando se encontrava em Cingapura, um dos pontos do roteiro, Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio. Seu secretário de imprensa, Raul Ryff, bateu forte à porta do quarto para lhe transmitir a preocupante novidade. E um telefonema da agência internacional de notícias Associated Press chegaria logo no Hotel Raffles, onde se hospedava, ratificando a informação.

Para a CIA, a aproximação de Jango com a China Comunista e a URSS era prova de sua atuação contra os interesses dos Estados Unidos, e por isso a agência atuou fortemente para que ele não governasse, quando retornasse ao Brasil.

O partido conservador de oposição da época era a UDN (que se tornaria depois a Arena na Ditadura Militar), que se juntou a setores do Exército para impedir a posse de João Goulart à presidência, cargo que estava vago com a renúncia do titular, Jânio Quadros.

O presidente João Goulart abraça o governador Leonel Brizola, em comemoração ao êxito da Campanha da Legalidade

Cadeia da Legalidade

Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola era do mesmo partido de Goulart, o PTB, e tomou providências para garantir que Jango assume plenamente os poderes que lhe foram conferidos pelo voto popular e pela Constituição Federal, nascia então a Campanha da Legalidade. Com apoio do governador de Goiás, Mauro Borges (PSD), Brizola organizou uma cadeia de rádio, composta por 150 emissoras, que tinha entre as âncoras de transmissão a Rádio Guaíba, em Porto Alegre e a Rádio Brasil Central, em Goiânia. Este movimento de resistência garantiu a posse de João Goulart, porém, dividindo poderes com um Primeiro-Ministro, na época, o deputado mineiro Tancredo Neves. Em 1963 um plebiscito devolveria plenos poderes a João Goulart.

Entre os registros apresentados, destaca-se um relatório datado de 1961, segundo o qual os líderes Fidel Castro, de Cuba, e Mao Tsé-Tung, da China, teriam oferecido apoio e materiais a Brizola durante a crise que sucedeu à renúncia de Jânio Quadros da Presidência da República.

Na ocasião, Brizola atuava como governador do Rio Grande do Sul e foi um dos principais articuladores da campanha pela posse do vice-presidente João Goulart, impedida por setores militares e conservadores.

De acordo com o conteúdo do relatório, apesar da recusa de Brizola em aceitar interferência estrangeira, a simples menção às ofertas estrangeiras intensificou o interesse da CIA em seu monitoramento. Um trecho dos documentos afirma: “Brizola obviamente estava com medo de que, se as ofertas fossem aceitas, os Estados Unidos pudessem intervir”.

Presidente João Goulart, o governador de Goiás, Mauro Borges e o Primeiro Ministro Tancredo Neves – Imagem: Fundo Agência Nacional Série FOT Subsérie PRP

Americanos temiam Brizola

Os documentos reforçam que a vigilância sobre Brizola se inseria em um contexto mais amplo de interferência dos Estados Unidos na política da América Latina durante a Guerra Fria. Sua atuação contra o impedimento da posse a João Goulart e sua atuação como governador gaúcho que nacionalizou empresas norte-americanas em favor da economia do Rio Grande do Sul incomodava o Departamento de Estado norte-americano.

A CIA avaliava que suas propostas de industrialização nacional, autonomia econômica e rejeição ao capital estrangeiro poderiam comprometer os interesses estratégicos norte-americanos na região.

Brizola passou a ser identificado como uma figura com potencial para mobilizar setores da sociedade em torno de propostas que contrariavam a agenda econômica promovida pelos Estados Unidos no continente. As informações contidas nos arquivos da CIA descrevem o político como um opositor direto da política externa norte-americana.

Após 15 anos, Brizola voltou do exílio, em 1979, com aprovação da Lei da Anistia

PDT e redemocratização

A atuação de Brizola ao longo de sua trajetória política foi marcada por iniciativas voltadas à ampliação do papel do Estado no desenvolvimento econômico e social. Ele exerceu mandatos como prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e federal, e foi governador em dois estados brasileiros: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Durante sua gestão no Executivo estadual, foi responsável por políticas públicas voltadas à expansão da educação.

Com o golpe de 1º de abril de 1964, Leonel Brizola exilou-se primeiramente no Uruguai, depois foi para França e finalmente para os Estados Unidos. No  dia 6 de setembro de 1979, numa quinta-feira às 17hs, Brizola pisou em solo brasileiro pela primeira vez depois de 15 anos, em Foz do Iguaçu (PR). O avião bimotor Piper, prefixo ESO, que o trouxe de Assunção foi conduzido por Manoel Leães, o mesmo piloto que 15 anos antes havia levado o líder trabalhista das areias de Cidreira para o exílio no Uruguai.

Na volta às lides políticas, Brizola retomou o caminho  do trabalhismo, porém o seu partido, o PTB, foi tomado de suas mãos por uma manobra do general Golbery do Couto e Silva, fundador do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) e aliado da CIA no Brasil.  Brizola então fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e com ele seria eleito governador do Rio de Janeiro nas eleições de 1982 e de 1990. Nos anos de 1983 e 1984, Leonel Brizola cerrou fileira na campanha Diretas Já, pela redemocratização do país, ao lado de outros líderes de oposição como os governadores Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Iris Rezende (PMDB-GO), Jáder Barbalho (PMDB-GO) e o líder sindical Luis Inácio Lula da Silva (PT).

 

 

Brizola foi vice de Lula em 1998 – Foto: Memorial da Democracia

Brizola concorreu à Presidência da República em 1989 e 1994, e integrou a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva como candidato à vice-presidência em 1998. A sua trajetória também foi marcada por perseguições políticas. Com a instauração do regime militar em 1964, teve seus direitos políticos cassados e permaneceu no exílio por cerca de 15 anos.

Ao retornar ao país após a anistia, retomou sua atuação política, defendendo temas como soberania nacional, valorização dos trabalhadores e fortalecimento da educação pública. Até sua morte, em 2004, seguiu atuando como liderança influente na política brasileira.

A vigilância atribuída ao político brasileiro evidencia o impacto de sua atuação em um contexto de tensão geopolítica e reforça a presença dos Estados Unidos em ações de monitoramento e influência política no continente sul-americano.

A liberação dos arquivos insere-se em um processo mais amplo de desclassificação de documentos históricos conduzido pelo governo norte-americano, com o objetivo de tornar públicas informações mantidas sob sigilo durante décadas.

Com a divulgação, amplia-se o acesso a registros sobre a atuação de agências de inteligência dos Estados Unidos em países estrangeiros e o papel desempenhado por figuras políticas latino-americanas em um dos períodos mais intensos da disputa ideológica global.

Com informações do site O Cafezinho e Zero Hora

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